O que acontece quando um parlamentar ultrapassa os limites legais na alocação de verbas públicas?
Com o crescente protagonismo dos parlamentares na alocação do orçamento público por meio das emendas individuais, de bancada e de relator, aumentam também os riscos de desvios de finalidade, tráfico de influência e direcionamento indevido de recursos. Embora o parlamentar atue como agente político, ele não está acima da lei — e pode ser responsabilizado civil e penalmente por atos ilícitos praticados na destinação de emendas.
Neste artigo, exploramos as hipóteses de responsabilização de deputados e senadores, as decisões judiciais mais relevantes, e o que dizem os órgãos de controle sobre condutas que ultrapassam a mera atuação legislativa para configurar ilícitos graves.
Princípio da impessoalidade e os limites da atuação parlamentar
A Constituição Federal (art. 37) estabelece que a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Isso vale para todos os agentes públicos — inclusive parlamentares que influenciam na aplicação de recursos públicos.
Embora o parlamentar não seja o executor direto da despesa, a sua atuação na indicação de beneficiários, intermediação de convênios ou interferência política na execução pode gerar responsabilidade se for comprovado:
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Vínculo direto com o beneficiário da verba;
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Favorecimento pessoal, eleitoral ou econômico;
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Atuação para direcionar contratos ou obras em benefício de terceiros com vínculos questionáveis.
O parlamentar pode ser responsabilizado quando sua atuação extrapola o exercício legítimo da função legislativa e gera dano ao erário ou configura conduta penalmente típica.
Responsabilidade civil: quando há dano ao erário
Nos termos da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), se um parlamentar age com dolo ou culpa para causar prejuízo ao erário ou obter vantagem indevida, ele poderá:
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Responder por ressarcimento integral do dano;
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Ter os direitos políticos suspensos;
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Pagar multa civil e ser proibido de contratar com o poder público.
Exemplo: parlamentar que condiciona a liberação de emenda à contratação de determinada empresa (ligada a aliado político) pode responder por ato de improbidade administrativa — ainda que a execução formal esteja a cargo do órgão do Executivo.
Mesmo sem assinar contratos, o parlamentar que participa do esquema pode ser responsabilizado por coautoria.
Responsabilidade penal: corrupção, tráfico de influência e outros crimes
Quando a conduta ultrapassa o campo civil, o parlamentar também pode responder criminalmente. As tipificações mais comuns envolvem:
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Art. 317 do Código Penal – Corrupção passiva: se solicitar ou receber vantagem indevida para si ou para outrem, valendo-se da função pública;
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Art. 332 – Tráfico de influência: quando usa sua posição para obter vantagem mediante influência sobre outro agente público;
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Lei nº 9.613/1998 – Lavagem de dinheiro, caso os valores desviados sejam ocultados ou reinvestidos;
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Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021) – nos casos em que haja interferência indevida em processos licitatórios.
A atuação política não é escudo para práticas criminosas — e há inúmeros precedentes judiciais responsabilizando parlamentares por condutas ilícitas ligadas às emendas.
Jurisprudência e ações em andamento
O Ministério Público Federal, o TCU e a Polícia Federal investigam diversos casos envolvendo emendas parlamentares destinadas a entidades fantasmas, convênios irregulares e empresas de fachada.
Um exemplo emblemático ocorreu em 2021, com apurações sobre parlamentares que indicaram milhões via RP9 a prefeituras comandadas por aliados, sem critérios técnicos. Embora protegidos por foro privilegiado, alguns foram alvos de investigações autorizadas pelo STF, com quebra de sigilos e diligências policiais.
A jurisprudência atual tende a responsabilizar quem age dolosamente para fraudar ou manipular o sistema de emendas.
Conclusão: prerrogativa não é impunidade
Os parlamentares exercem função essencial à democracia, inclusive na formulação e execução do orçamento público. No entanto, essa prerrogativa deve ser usada com responsabilidade, transparência e respeito à legalidade.
Quando há dolo, má-fé ou conluio, a imunidade parlamentar não impede a responsabilização civil, penal ou administrativa. A lei é clara: quem causa dano ao erário ou age com desvio de finalidade deve responder.