Voltar ao Trabalho Após Licença por Saúde Mental: O Desafio do Exame Médico e Seus Direitos

O retorno ao trabalho após um período de afastamento por questões de saúde mental – seja por burnout, depressão, ansiedade ou outro transtorno – é frequentemente um momento delicado, carregado de expectativas e apreensões. Além dos desafios pessoais de readaptação, existe um passo formal e muitas vezes gerador de ansiedade: o exame médico de retorno ao trabalho. O que pode ser perguntado? Quais os limites da avaliação? Você pode ser considerado inapto? Compreender como funciona esse exame e quais são seus direitos é fundamental para garantir um retorno seguro, respeitoso e que não coloque em risco sua recuperação.

O exame de retorno ao trabalho é uma exigência da NR-7 para todos os afastamentos superiores a 30 dias, independentemente da causa (seja doença, acidente ou parto). Seu objetivo específico é verificar se o trabalhador recuperou sua capacidade funcional para reassumir as atividades habituais de seu cargo, garantindo que o retorno não trará prejuízos à sua saúde nem à segurança de colegas. O foco principal não é reavaliar o diagnóstico inicial, mas sim a condição atual do trabalhador frente às demandas específicas de sua função.

Quando o afastamento se deu por questões de saúde mental, o exame de retorno apresenta desafios particulares. O estigma associado a transtornos mentais ainda é uma realidade, e a avaliação da “aptidão” pode parecer mais subjetiva do que em casos de problemas físicos. É crucial ressaltar a importância do sigilo médico (conforme o Código de Ética Médica): o médico do trabalho não pode e não deve exigir detalhes íntimos sobre o tratamento psicoterápico ou psiquiátrico. A investigação deve se limitar ao estritamente necessário para avaliar a capacidade funcional do indivíduo em relação às tarefas e ao ambiente de trabalho. Perguntas devem ser focadas em como o trabalhador se sente em relação ao retorno, sua disposição, concentração, capacidade de lidar com as pressões inerentes à função, e não em detalhes clínicos invasivos.

O resultado do exame de retorno pode variar:

  1. Apto: O trabalhador está liberado para retornar à sua função normal.
  2. Apto com Recomendações/Restrições: O trabalhador pode retornar, mas necessita de adaptações temporárias ou permanentes (ex: redução de jornada inicial, mudança de certas tarefas que foram gatilhos, mais pausas, restrição de atendimento direto ao público por um período). A empresa tem o dever de, dentro do razoável e do possível, implementar essas recomendações médicas.
  3. Inapto: O trabalhador ainda não apresenta condições de retornar ao trabalho e deve ser orientado a procurar novamente o INSS ou continuar seu tratamento. A decisão de inaptidão deve ser muito bem fundamentada, indicando claramente por que o trabalhador não pode exercer nem mesmo de forma adaptada suas funções. Um exemplo seria um profissional que retorna de um quadro grave de ansiedade social e cujo trabalho exige constante interação com o público; se ele ainda apresenta sintomas incapacitantes para essa interação, pode ser considerado inapto para aquela função específica naquele momento, ou apto com restrição a tarefas internas, se houver essa possibilidade.

O papel da empresa no retorno é fundamental e vai além de simplesmente receber o ASO. Um ambiente de trabalho acolhedor e um plano de retorno gradual podem ser decisivos para evitar recaídas. É responsabilidade do empregador zelar por um meio ambiente de trabalho psicologicamente seguro, o que inclui combater o estigma e, crucialmente, avaliar se as condições de trabalho que contribuíram para o adoecimento inicial foram modificadas. Retornar o empregado exatamente para o mesmo cenário tóxico que o adoeceu é negligente e aumenta o risco de novos afastamentos e de responsabilização da empresa. As recentes discussões sobre riscos psicossociais no PGR (NR-1) reforçam essa obrigação patronal.

Navegar pelo processo de retorno ao trabalho após uma licença por saúde mental exige conhecimento e, por vezes, firmeza. Se você está nessa situação e sente que o exame de retorno foi invasivo, que o resultado não condiz com sua condição real, ou que a empresa está ignorando as recomendações médicas ou pressionando por um retorno precoce e sem suporte, é essencial estar ciente de seus direitos. Buscar aconselhamento jurídico especializado pode fornecer a clareza e o suporte necessários para dialogar com a empresa, garantir que as adaptações recomendadas sejam implementadas ou contestar uma decisão de aptidão/inaptidão que pareça inadequada. Sua saúde mental e sua estabilidade no emprego são preciosas; assegure-se de que seu retorno ao trabalho as respeite.

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