Cada interação do trabalhador com a medicina do trabalho – seja um exame admissional, periódico, de retorno, complementar ou uma consulta relacionada a queixas laborais – gera registros. Essas informações são compiladas em um documento fundamental: o prontuário médico ocupacional. Mas quem é o responsável por esse prontuário? Quem tem o direito de acessar as informações nele contidas? E por quanto tempo ele precisa ser preservado? Esclarecer essas questões é essencial para garantir o sigilo profissional, proteger os direitos do trabalhador à privacidade e à informação, e assegurar que a empresa e os profissionais de saúde cumpram suas obrigações legais e éticas. O prontuário é o guardião do histórico de saúde do trabalhador na empresa, e suas regras são bem definidas.
O prontuário médico ocupacional, seja ele mantido em meio físico (papel) ou eletrônico, é o conjunto de documentos padronizados que registram todas as avaliações médicas e exames complementares relacionados à saúde do trabalhador dentro do contexto laboral. Conforme determina a NR-7 (item 7.5.7), ele deve conter, no mínimo: dados de identificação do empregado, histórico ocupacional, descrição de riscos ou fatores de risco, todos os Atestados de Saúde Ocupacional (ASOs), resultados dos exames complementares com datas e entidades realizadoras, além de datas e conclusões de avaliações clínicas. Podem conter também registros de outros atendimentos, encaminhamentos ou problemas de saúde identificados, relacionados ou não ao trabalho. É, por natureza, um documento médico, e como tal, está protegido pelo sigilo profissional.
A responsabilidade pela guarda e manutenção do sigilo do prontuário médico ocupacional recai sobre o médico responsável pelo PCMSO da empresa, seja ele o Médico Coordenador ou o médico examinador que realizou o último atendimento ou exame. Essa responsabilidade é tanto ética, ditada pelo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018), quanto legal, reforçada pela LGPD, que classifica os dados de saúde como sensíveis. É fundamental frisar: o empregador, incluindo o departamento de RH ou a chefia direta, NÃO tem direito de acessar o conteúdo clínico detalhado do prontuário. A informação que flui para a gestão da empresa é o ASO, que se limita a informar a aptidão (apto ou inapto) e, se houver, as restrições necessárias para o trabalho, mas sem revelar diagnósticos ou detalhes médicos específicos, salvo em situações legalmente muito bem definidas e justificadas (como em perícias ou processos judiciais, com os devidos cuidados).
Quanto ao tempo de guarda, a NR-7 (item 7.6.1.2) é específica: o prontuário médico individual do empregado deve ser conservado por um período mínimo de 20 (vinte) anos após o seu desligamento da empresa. Esse prazo extenso tem uma razão de ser: muitas doenças ocupacionais têm longos períodos de latência (como alguns tipos de câncer relacionados a exposições químicas ou a asbestose) e o histórico registrado no prontuário pode ser crucial para comprovar o nexo causal anos depois. Além disso, esses registros são importantes para fins de requerimento de aposentadoria especial ou para instruir processos judiciais. A guarda pode ser feita em meio eletrônico, desde que se utilizem sistemas que garantam a integridade, autenticidade, confidencialidade, rastreabilidade e o acesso restrito apenas a pessoas autorizadas, conforme as diretrizes do CFM e da LGPD.
O acesso ao conteúdo do prontuário é, portanto, extremamente restrito e controlado. Têm direito a acessá-lo:
- O próprio trabalhador: Este é um direito fundamental. O paciente (neste caso, o trabalhador) é o titular dos dados e tem o direito de acessar seu prontuário na íntegra e obter cópias sempre que solicitar (Resolução CFM nº 1.638/2002; LGPD Art. 18, II). A empresa/médico não pode negar esse acesso.
- Médicos Autorizados: Terceiros médicos (assistentes, peritos particulares) só podem acessar com autorização expressa e por escrito do trabalhador.
- Equipe de Saúde Ocupacional: O médico responsável pelo PCMSO e outros profissionais de saúde sob sua coordenação direta (como enfermeiros do trabalho) que necessitem das informações para dar continuidade ao cuidado ou à gestão do PCMSO.
- Autoridades Médicas e Judiciais: Médicos peritos do INSS ou nomeados pela Justiça em processos trabalhistas ou previdenciários podem ter acesso, limitando-se ao estritamente necessário para responder aos quesitos da perícia.
- Fiscalização do Trabalho: Auditores Fiscais do Trabalho podem solicitar acesso para verificar o cumprimento das NRs (existência do prontuário, realização dos exames), mas devem respeitar o sigilo quanto aos detalhes clínicos não pertinentes à fiscalização específica. Reforçando: gestores, RH, colegas de trabalho, ou qualquer outra pessoa da empresa não pertencente à equipe de saúde estritamente envolvida não tem direito de ver o conteúdo clínico do prontuário.
O prontuário médico ocupacional é um repositório de informações valiosas e confidenciais. Trabalhador: conheça seu direito de acessar seu histórico de saúde laboral. Se encontrar dificuldades para obter cópia do seu prontuário ou suspeitar que seu sigilo foi violado, procure orientação para defender seus direitos à privacidade e à informação. Médico do Trabalho: seu dever de guardar e proteger o prontuário é absoluto. Adote as melhores práticas de segurança física e digital e cumpra rigorosamente os prazos de guarda. Empresa: ofereça as condições para que o serviço médico cumpra suas obrigações e respeite os limites de acesso à informação. A gestão correta e ética do prontuário médico ocupacional é um pilar essencial para uma relação de trabalho baseada na confiança e no respeito aos direitos fundamentais, protegendo todas as partes envolvidas.