No universo das siglas previdenciárias e de saúde e segurança do trabalho (SST), uma que ganhou enorme relevância nos últimos anos é o NTEP – Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário. Mais do que um termo técnico, o NTEP representa uma mudança de paradigma na forma como o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) analisa a relação entre certas doenças e o trabalho, com impactos diretos sobre os custos e as responsabilidades das empresas. Compreender o que é o NTEP, como ele funciona e quais suas consequências é fundamental para qualquer gestor de RH, profissional de SST ou empresário atento à saúde financeira e jurídica do seu negócio. O NTEP pode ser o fator que transforma um afastamento comum em um afastamento acidentário, mesmo sem a emissão da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho).
Instituído pela Lei nº 11.430/2006, o NTEP é uma metodologia baseada em estudos estatísticos que identificam uma correlação significativa entre determinadas doenças ou lesões (identificadas pelo CID – Classificação Internacional de Doenças) e certos ramos de atividade econômica (identificados pelo CNAE – Classificação Nacional de Atividades Econômicas). Essa lista de associações CID x CNAE é publicada e atualizada periodicamente pela Previdência Social, constando atualmente no Anexo II do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99). O objetivo principal da criação do NTEP foi combater a histórica subnotificação de doenças ocupacionais, muitas das quais não eram comunicadas via CAT pelas empresas, mas que estatisticamente apresentavam forte ligação com determinadas atividades laborais.
Na prática, o NTEP funciona da seguinte maneira: quando um trabalhador solicita um benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) ou permanente (aposentadoria por invalidez) ao INSS, o perito médico federal analisa a documentação e realiza o exame. Ao identificar o CID da doença que causa a incapacidade, o sistema informatizado do INSS automaticamente cruza essa informação com o CNAE da empresa onde o segurado trabalha (ou trabalhava). Se a combinação específica CID x CNAE constar na lista oficial do NTEP, o INSS estabelece uma PRESUNÇÃO LEGAL de que aquela doença tem natureza ocupacional (nexo com o trabalho). A consequência imediata é que o benefício, que normalmente seria classificado como previdenciário comum (espécies B31 ou B32), é automaticamente caracterizado como acidentário (espécies B91 ou B92), mesmo que a empresa não tenha emitido a CAT e mesmo que o trabalhador não tenha alegado explicitamente a origem ocupacional.
Essa caracterização do benefício como acidentário, seja pela via tradicional da CAT ou pela presunção do NTEP, acarreta consequências significativas para a empresa:
- Obrigatoriedade do Depósito do FGTS: Durante todo o período em que o trabalhador estiver recebendo o benefício acidentário (B91 ou B92), a empresa é obrigada a continuar realizando os depósitos mensais do FGTS em sua conta vinculada, o que não acontece nos benefícios comuns.
- Estabilidade Provisória no Emprego: Ao retornar ao trabalho após a alta do benefício B91 (incapacidade temporária acidentária), o empregado adquire o direito à garantia provisória de emprego por 12 meses, não podendo ser demitido sem justa causa nesse período (Art. 118 da Lei nº 8.213/91).
- Impacto no Custo Previdenciário (FAP): Os benefícios acidentários (incluindo os concedidos via NTEP) entram diretamente no cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) da empresa. Um maior número e custo desses benefícios tende a elevar o FAP, o que, por sua vez, aumenta a alíquota do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT/RAT) que a empresa paga sobre a folha de salários. O NTEP funciona, assim, como um indicador direto de sinistralidade que impacta os custos.
É crucial entender, no entanto, que a presunção estabelecida pelo NTEP é relativa (juris tantum), ou seja, admite prova em contrário. A empresa que não concordar com a aplicação do NTEP a um caso específico – por entender que, apesar da correlação estatística, a doença daquele empregado em particular não foi causada pelo trabalho (tendo origem degenerativa, congênita ou outra não relacionada à atividade laboral) – tem o direito de contestar essa decisão administrativamente perante o INSS. Para que a contestação tenha sucesso, a empresa precisa apresentar provas robustas e bem fundamentadas que afastem o nexo causal presumido. Isso geralmente envolve apresentar documentos como o PGR (com a avaliação dos riscos específicos), o PCMSO (com o histórico de saúde do trabalhador na empresa), laudos técnicos, AETs (Análises Ergonômicas do Trabalho), exames médicos detalhados, entre outros, que demonstrem ou a inexistência do risco na função daquele trabalhador, ou a adoção de medidas de controle eficazes, ou a origem não ocupacional da doença. O prazo para essa contestação costuma ser curto (geralmente 15 dias após a empresa tomar ciência da concessão do benefício acidentário via NTEP), exigindo agilidade e boa organização da documentação de SST.
O NTEP, portanto, não deve ser encarado pelas empresas apenas como um fator de aumento de custos ou uma fonte de litígios. Ele também representa um importante instrumento de vigilância epidemiológica, sinalizando para as empresas e para a sociedade quais combinações de atividade econômica e doença merecem atenção redobrada em termos de prevenção. Empresa: é fundamental monitorar ativamente os casos de aplicação de NTEP aos seus colaboradores. Utilize essa informação como um diagnóstico para reavaliar e aprimorar seus programas de prevenção (PGR, PCMSO, Ergonomia). Esteja preparada, com documentação sólida, para contestar o NTEP quando a presunção for indevida. Se sua organização enfrenta dificuldades em gerenciar os impactos do NTEP ou em elaborar contestações eficazes, buscar assessoria especializada em direito previdenciário e em saúde e segurança do trabalho é um investimento estratégico. Ignorar os sinais do NTEP pode levar a um ciclo vicioso de adoecimentos e aumento de custos. Agir sobre eles é o caminho para um ambiente mais seguro e um negócio mais sustentável.