Insalubridade da Entrega: O Direito à Proteção Contra Sol, Chuva e Riscos Urbanos e a Responsabilidade das Plataformas

Você se sente invisível sob o sol e a chuva? Entenda por que o trabalho de entrega é, legalmente, uma atividade insalubre e como o Direito do Trabalho exige que as plataformas forneçam proteção e equipamentos de segurança.

O entregador não lida apenas com o trânsito e o tempo. Ele enfrenta diariamente a insalubridade do meio ambiente urbano: poluição atmosférica, ruídos excessivos, calor extremo ou frio intenso, além da exposição à violência (assaltos) e a acidentes. No regime da CLT, atividades exercidas sob condições que prejudiquem a saúde do trabalhador dão direito ao adicional de insalubridade. No caso dos aplicativos, a negação do vínculo de emprego funciona como um escudo para as plataformas, que se eximem de fornecer o mínimo de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e de garantir um ambiente de trabalho seguro.

Os Riscos Inerentes e o Nexo Causal com a Doença

O trabalho de entrega, especialmente de motocicleta, expõe o trabalhador a fatores de risco que, a longo prazo, causam doenças ocupacionais. A exposição prolongada ao sol pode gerar problemas dermatológicos; a trepidação e a postura na moto causam lesões musculoesqueléticas e problemas na coluna; a poluição e a fumaça de veículos impactam o sistema respiratório. A Justiça do Trabalho tem construído a tese do nexo causal (a ligação entre a atividade e a doença) para responsabilizar as plataformas por esses agravos à saúde. A insalubridade não é apenas o risco de acidentes; é o dano crônico e silencioso causado pelo ambiente de trabalho.

A Omissão no Fornecimento de EPIs e a Precarização

Se fossem empregadoras, as plataformas seriam legalmente obrigadas a fornecer EPIs, como capacetes certificados, luvas, capas de chuva, protetor solar e máscaras antipoluição. A Lei nº 14.297/2022, que estabelece medidas de proteção para a categoria durante a pandemia, previu a obrigação de fornecimento de álcool em gel e máscaras, mas seu foco foi pontual. O MPT e a doutrina defendem que as plataformas têm um dever genérico de segurança, derivado do princípio constitucional da redução de riscos inerentes ao trabalho (Art. 7º, XXII, da CF). A ausência de EPIs e de infraestrutura de apoio (como locais para descanso e hidratação) intensifica a precarização e coloca a vida em risco.

A Responsabilidade Civil e a Doutrina do Risco Criado

Em ações judiciais, a tese da Responsabilidade Civil Objetiva baseada no Risco Criado tem sido aplicada. Pelo Código Civil, quem exerce atividade de risco deve responder pelos danos causados, independentemente de culpa. A entrega por aplicativo é inegavelmente uma atividade de alto risco. Portanto, a plataforma, ao lucrar com essa atividade, deve ser responsável pelos acidentes e pelas doenças decorrentes da insalubridade. O lucro não pode estar desassociado da responsabilidade social e da obrigação de mitigar os danos à saúde do trabalhador.

A Urgência de Normas de Saúde Ocupacional

A regulamentação do trabalho de entrega deve incluir Normas Regulamentadoras (NRs) específicas para a saúde ocupacional e segurança. Essas normas devem exigir o fornecimento de EPIs, o monitoramento das condições de trabalho (temperatura, poluição) e a criação de pontos de apoio logístico para descanso e hidratação. A garantia de um ambiente de trabalho seguro e salubre é o mínimo que se espera de empresas que faturam bilhões explorando o risco urbano. O Direito do Trabalho existe para defender a vida, e isso se aplica, com urgência, à realidade dos entregadores.

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