Pode parecer apenas mais um formulário na complexa burocracia trabalhista e previdenciária, mas a CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) é um documento de importância capital, cujas implicações legais e práticas reverberam tanto para o empregado quanto para o empregador. A emissão – ou a controversa não emissão – da CAT não é um ato neutro; ela dispara uma série de consequências e serve como um registro oficial fundamental. Entender o peso da CAT é essencial para que trabalhadores possam reivindicar seus direitos e para que empresas cumpram suas obrigações, evitando penalidades e litígios. Ela é muito mais do que papel; é a formalização de um evento crítico na relação de trabalho.
Definida pela Lei nº 8.213/91 (Artigo 22), a CAT é o instrumento oficial para comunicar à Previdência Social (INSS) a ocorrência de um acidente de trabalho típico (ocorrido no exercício da atividade), um acidente de trajeto (equiparado), ou o diagnóstico de uma doença ocupacional. A responsabilidade primária pela emissão da CAT é da empresa, que tem um prazo legal estrito para fazê-lo: até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência do acidente, ou de imediato, em caso de morte do trabalhador. O descumprimento desse prazo sujeita a empresa a pesadas multas administrativas, aplicadas pela fiscalização do trabalho, conforme previsto no Artigo 286 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social). É crucial notar que, se a empresa se omitir, a CAT pode (e deve) ser emitida pelo próprio trabalhador acidentado, por seus dependentes, pela entidade sindical competente, pelo médico que o assistiu ou por qualquer autoridade pública (como os CERESTs – Centros de Referência em Saúde do Trabalhador).
Para o empregado, a emissão da CAT representa o reconhecimento formal inicial da natureza ocupacional do evento e é a chave que abre a porta para uma série de direitos previdenciários e trabalhistas fundamentais:
- Acesso ao Benefício Acidentário (B91): A CAT é o documento que geralmente inicia o processo no INSS para a concessão do auxílio por incapacidade temporária acidentário (B91), caso a lesão ou doença resulte em afastamento superior a 15 dias.
- Garantia do FGTS: Durante o período de recebimento do B91, o empregador é obrigado a continuar depositando o FGTS, um direito que não existe no benefício comum (B31).
- Estabilidade Provisória: A CAT e a consequente concessão do B91 são pré-requisitos para a estabilidade acidentária de 12 meses após a alta médica (Art. 118, Lei 8.213/91).
- Prova em Ações Futuras: A CAT serve como um forte elemento de prova em eventuais ações judiciais buscando indenizações por danos morais, materiais ou estéticos decorrentes do acidente ou doença, ou mesmo para a concessão de benefícios por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez acidentária, auxílio-acidente). Embora não seja a única prova, sua existência facilita enormemente a comprovação do nexo causal.
Para o empregador, a emissão da CAT, primeiramente, significa o cumprimento de uma obrigação legal expressa, evitando multas. No entanto, a emissão também acarreta outras implicações. Ela serve como um registro oficial do acidente/doença, que pode (e deve) ser utilizado internamente para a análise das causas e a melhoria das medidas de prevenção contidas no PGR e PCMSO. Por outro lado, a CAT é um dos fatores que impactam o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), um multiplicador aplicado sobre a alíquota do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT/RAT) pago pela empresa. Um maior número de acidentes e benefícios acidentários tende a elevar o FAP, aumentando o custo previdenciário da empresa. Esse impacto financeiro, infelizmente, leva algumas empresas a hesitarem ou até se recusarem a emitir a CAT, uma prática ilegal. É importante ressaltar que a emissão da CAT, por si só, não configura uma confissão de culpa da empresa para fins de responsabilidade civil (indenizações), mas sim o reconhecimento da ocorrência para fins previdenciários.
A recusa da empresa em emitir a CAT, especialmente em casos de doenças ocupacionais de desenvolvimento gradual (LER/DORT, Burnout, PAIR) ou quando há suspeita de negligência nas normas de segurança, é uma prática abusiva e ilegal que prejudica enormemente o trabalhador. Isso o obriga a buscar outros meios para formalizar a comunicação, gerando atrasos no acesso a benefícios, dificuldades na produção de provas e um desgaste desnecessário na relação com o empregador. Um exemplo comum é a empresa que se nega a emitir CAT para um caso claro de Burnout, alegando ser um problema pessoal do empregado, forçando-o a buscar a emissão por conta própria e, posteriormente, ajuizar uma ação para reconhecimento do nexo.
A CAT não deve ser vista como mera formalidade ou como um “problema” a ser evitado. É um instrumento essencial para a garantia de direitos e para a promoção de ambientes de trabalho mais seguros. Trabalhador: se você sofreu um acidente de trabalho ou recebeu um diagnóstico de doença ocupacional, exija formalmente a emissão da CAT pela empresa. Guarde cópia de todos os documentos médicos. Se houver recusa, não se intimide: procure o sindicato, o médico assistente, o CEREST ou um advogado para providenciar a emissão e garantir seus direitos. Empresa: cumpra sua obrigação legal de emitir a CAT nos prazos corretos. A transparência e o cumprimento da lei, mesmo que impactem o FAP, são sempre o caminho mais seguro a longo prazo. Tentar ocultar acidentes ou doenças é uma estratégia arriscada que pode resultar em multas pesadas e agravar a responsabilidade em futuras ações judiciais. A formalização protege direitos e evidencia responsabilidades – para ambos os lados.