Nos últimos anos, um dos temas mais turbulentos e geradores de insegurança jurídica no Brasil tem sido a regulamentação de armas de fogo por meio de Decretos Presidenciais. Enquanto o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003) estabelece as bases legais e os crimes relacionados a armas, são os decretos que detalham muitos aspectos práticos, como requisitos para posse e porte, limites de calibres, e regras para CACs. Contudo, a frequência e a amplitude das alterações via decreto têm levado a debates acalorados sobre a hierarquia das normas e os limites do poder regulamentar do Executivo, com reflexos diretos na vida de proprietários de armas e na atuação do sistema de justiça em 2025.
A Constituição Federal estabelece uma hierarquia clara: Leis (como o Estatuto do Desarmamento), aprovadas pelo Congresso Nacional, estão acima de Decretos, emitidos pelo Presidente da República. Decretos têm a função de regulamentar a lei, ou seja, detalhar como ela será aplicada na prática, sem poder, contudo, inovar na ordem jurídica, criar direitos ou obrigações não previstos na lei, ou contrariar o espírito do legislador. O problema surge quando decretos são percebidos como extrapolando esse poder regulamentar, seja para flexibilizar excessivamente regras que a lei buscou restringir, seja para impor restrições não contempladas na legislação original.
Essa tensão ficou evidente com diversos decretos editados nos últimos anos, que alteraram significativamente pontos como:
- Conceito de “efetiva necessidade” para o porte de arma.
- Limites de quantidade de armas e munições por pessoa (especialmente CACs).
- Classificação de calibres como permitidos ou restritos.
- Procedimentos para aquisição e registro.
- Regras para porte de trânsito de CACs.
Muitas dessas alterações foram (e continuam sendo) questionadas judicialmente, principalmente perante o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) ou Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). O STF tem sido chamado repetidamente a delimitar até onde o Executivo pode ir ao regulamentar o Estatuto, por vezes suspendendo ou modulando os efeitos de decretos considerados excessivos. Essa dinâmica cria um cenário de constante instabilidade: o que é permitido hoje por um decreto pode ser suspenso ou alterado amanhã por uma decisão judicial ou por um novo decreto.
Imagine a situação: Um cidadão adquire uma arma de um calibre que um decreto recente classificou como “permitido”. Meses depois, o STF suspende esse trecho do decreto por entender que ele contrariou a intenção restritiva do Estatuto, e o calibre volta a ser “restrito”. Qual a situação legal desse cidadão? Ele cometeu crime? Deverá devolver a arma? Essa falta de clareza gera enorme insegurança para quem busca agir dentro da lei e dificulta a atuação de advogados, juízes e promotores, que precisam navegar por um emaranhado de normas e decisões judiciais em constante fluxo. Você se sente seguro sobre quais regras realmente estão valendo para sua arma ou sua atividade relacionada a armas em Abril de 2025?
Esse cenário reforça a importância do Estatuto do Desarmamento como marco legal principal, aprovado democraticamente pelo Congresso. As alterações mais substanciais na política de armas deveriam, idealmente, ocorrer por meio de mudanças na própria lei, conferindo maior estabilidade e segurança jurídica a todos os envolvidos. Enquanto a regulamentação continuar sendo feita majoritariamente por decretos sujeitos a idas e vindas e controle judicial intenso, a incerteza persistirá. Para o cidadão ou profissional que lida com armas de fogo, manter-se atualizado não é apenas uma recomendação, mas uma necessidade absoluta, e buscar aconselhamento jurídico qualificado torna-se ainda mais crucial para interpretar corretamente o complexo quadro normativo vigente e evitar infrações decorrentes dessa instabilidade.