Usucapião Familiar: Como o Abandono do Lar Pode Fazer Você Perder sua Parte no Imóvel

No turbilhão de um término de relacionamento, a decisão de um dos cônjuges ou companheiros de sair de casa pode parecer um passo necessário para acalmar os ânimos. Contudo, essa atitude, se caracterizada como um verdadeiro abandono, pode ter uma consequência patrimonial devastadora e pouco conhecida: a perda total do direito sobre o imóvel que servia de lar para a família. Trata-se da usucapião familiar, uma modalidade específica de aquisição de propriedade prevista no Código Civil, criada para proteger a parte que permaneceu no imóvel e assumiu sozinha os encargos da família. Esta é uma ferramenta jurídica poderosa, que serve como um alerta para a importância da responsabilidade mútua mesmo após o fim do afeto.

O que é a Usucapião por Abandono de Lar?

A usucapião familiar, prevista no artigo 1.240-A do Código Civil, estabelece que a pessoa que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, a posse direta e com exclusividade sobre um imóvel urbano de até 250m², cuja propriedade dividia com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquire o domínio integral, ou seja, a propriedade total do bem. Em termos simples: se uma pessoa é abandonada pelo parceiro no imóvel da família e permanece ali por dois anos, ela pode ir à Justiça para “tomar” a metade que pertencia ao outro, tornando-se a única dona.

Os 4 Requisitos Essenciais Para Conquistar a Propriedade Total

Para que a usucapião familiar seja reconhecida, não basta o tempo. A Justiça exige a comprovação rigorosa de todos os requisitos legais, que são cumulativos:

  1. Prazo de 2 anos: A posse exclusiva, mansa e pacífica sobre o imóvel deve ser contínua por, no mínimo, dois anos.
  2. Imóvel de até 250m²: A regra se aplica apenas a imóveis urbanos com essa metragem máxima. Imóveis maiores não se enquadram nesta modalidade.
  3. Propriedade dividida com o ex-parceiro: O imóvel deve pertencer a ambos os membros do ex-casal.
  4. Abandono do Lar: Este é o requisito mais importante e controverso. É preciso que o ex-cônjuge ou ex-companheiro tenha efetivamente abandonado o lar, de forma voluntária e injustificada.
  5. Não ser proprietário de outro imóvel: A pessoa que pleiteia a usucapião não pode ser dona de nenhum outro imóvel, seja ele urbano ou rural.

Abandono Não é Apenas Sair de Casa: O que a Justiça Entende?

Aqui reside o ponto central do debate judicial. O “abandono do lar” que a lei exige não é a mera saída física do imóvel após a separação. A Justiça entende que o abandono se caracteriza não apenas pela ausência física, mas principalmente pela ausência de qualquer suporte, amparo ou assistência à família. O ex-parceiro que sai de casa, mas continua pagando a pensão em dia, participando da vida dos filhos, ajudando a pagar as contas do imóvel (como IPTU e condomínio), não está abandonando o lar. O abandono que gera a usucapião é a ruptura total, o desaparecimento, a abdicação voluntária de todos os deveres de cuidado e assistência material para com a família que permaneceu no imóvel. É uma penalidade para o descumprimento do princípio da solidariedade familiar.

Um Direito Exclusivo de Mulheres? Mitos e Verdades

A lei foi criada pensando em proteger, principalmente, mulheres de baixa renda com filhos, que frequentemente eram abandonadas pelos companheiros e ficavam em situação de extrema vulnerabilidade. No entanto, a lei não faz distinção de gênero. Tanto o homem quanto a mulher podem pleitear a usucapião familiar, desde que preencham todos os requisitos. Se uma mulher abandona o lar e a família, o homem que permaneceu no imóvel com os filhos também pode invocar o artigo 1.240-A para adquirir a propriedade integral. A usucapião familiar é, portanto, uma faca de dois gumes: uma poderosa proteção para quem é abandonado e uma grave sanção para quem abandona, reforçando a ideia de que as responsabilidades familiares não terminam com o fim da convivência.

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