“Sharenting” e Divórcio: Os Limites da Exposição dos Filhos nas Redes Sociais pelos Pais Separados

Em uma era dominada por likes, stories e feeds, compartilhar momentos da vida dos filhos nas redes sociais tornou-se um ato quase instintivo para muitos pais. Essa prática, conhecida como “sharenting” (uma junção das palavras “share”, compartilhar, e “parenting”, parentalidade), é movida pelo orgulho e pelo desejo de registrar o crescimento dos pequenos. Contudo, quando o divórcio entra em cena, essa exposição pode se transformar em um campo minado de conflitos, violações de privacidade e até mesmo em uma arma para alfinetar o ex-parceiro. Uma foto das férias com uma legenda provocativa, um desabafo sobre as dificuldades da criança em um post público, a criação de um perfil infantil para fins comerciais. Onde termina o orgulho de ser pai ou mãe e começa a violação dos direitos do seu bem mais precioso?
O ponto de partida legal para essa discussão é o conceito de poder familiar. No Brasil, mesmo que a guarda seja definida como unilateral, o poder familiar, que engloba o conjunto de direitos e deveres em relação aos filhos, continua sendo de ambos os pais. Isso significa que as decisões importantes sobre a vida da criança, o que inclui a gestão de sua imagem e privacidade, devem, em regra, ser tomadas em conjunto. Um genitor não pode, unilateralmente, decidir transformar a vida do filho em um livro aberto na internet, especialmente se o outro se opõe a isso. A imagem da criança não é propriedade de nenhum dos pais; é um direito personalíssimo dela.
O “sharenting” se torna um problema jurídico quando ultrapassa o bom senso e infringe os direitos da criança, protegidos pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Situações problemáticas incluem a exposição vexatória, como postar fotos da criança em momentos de birra, de castigo ou em situações que exponham sua intimidade; a superexposição comercial, utilizando a imagem do filho de forma contínua para publicidade sem um acordo claro sobre o assunto; e, o mais comum em divórcios litigiosos, o “sharenting” como arma, onde as postagens são usadas para atacar o outro genitor (“Veja como ele é mais feliz comigo”, “Compensando a ausência do outro”), o que pode configurar um ato de alienação parental. Qualquer postagem que viole o direito da criança à dignidade, ao respeito e à imagem, conforme os artigos 17 e 18 do ECA, é uma prática ilegal.
É preciso pensar, ainda, no legado digital que está sendo construído para a criança sem o seu consentimento. Cada foto, cada vídeo, cada informação postada hoje compõe uma “pegada digital” que a seguirá pelo resto da vida, podendo ser acessada por futuros amigos, colegas e empregadores. O “direito ao esquecimento” é um conceito jurídico que defende que uma pessoa, ao atingir a maturidade, tem o direito de não ser perpetuamente definida por informações de seu passado. Ao praticar o “sharenting” desenfreado, os pais estão potencialmente violando o futuro direito de seus filhos de controlarem a própria narrativa e imagem.
Quando o conflito sobre a exposição se instala, o primeiro passo é sempre o diálogo. O ideal é que os pais estabeleçam regras claras sobre o que pode ou não ser postado, preferencialmente incluindo essas diretrizes em um Plano de Parentalidade. Se a conversa não resolver, o genitor que se sente lesado pode enviar uma notificação extrajudicial solicitando a remoção do conteúdo. Em último caso, a via é a judicial. É possível ingressar com uma ação para pedir a fixação de limites à exposição online (obrigação de não fazer), com a imposição de multa em caso de descumprimento. O juiz sempre analisará o caso sob a ótica do superior interesse da criança, e não do desejo de exposição dos pais. O like dura segundos; a dignidade de um filho é para sempre.