Produção Independente e a Questão da Guarda e do Direito de Visita do Doador de Material Genético

Avanços na medicina reprodutiva e novas configurações de desejo parental têm trazido à tona situações que desafiam as noções tradicionais de família. Uma delas, cada vez mais presente, é a “produção independente” ou “coparentalidade”, na qual duas pessoas que não têm um relacionamento amoroso decidem, juntas, gerar um filho. Diferentemente da doação anônima de sêmen ou óvulos em clínicas, onde o doador não terá qualquer direito ou dever sobre a criança, na produção independente o “doador” de material genético é uma pessoa conhecida e que, desde o início, pretende exercer a paternidade ou a maternidade. Isso cria um cenário jurídico complexo que precisa ser cuidadosamente planejado para evitar conflitos futuros sobre guarda e convivência.
O ponto de partida para entender essa questão é a diferença crucial entre o vínculo genético e o vínculo de filiação (parentalidade). O simples fato de ser o provedor do material genético não estabelece, automaticamente, a paternidade ou maternidade em seu sentido jurídico pleno. O que estabelece a filiação é o vínculo socioafetivo, ou seja, a intenção e a prática de ser pai ou mãe. Na doação anônima, a lei é clara: não há vínculo. No entanto, na produção independente, o doador conhecido geralmente o faz com a intenção expressa de ser pai. É essa intenção, manifestada e, idealmente, documentada, que transforma o doador em genitor, com todos os direitos e deveres que daí decorrem.
Para evitar incertezas, é altamente recomendável que as partes envolvidas em uma produção independente elaborem um “Contrato de Geração de Filho” ou um “Plano de Parentalidade” pré-concepção. Este documento, embora não possa se sobrepor à lei, serve como uma prova robusta da intenção e do acordo original entre as partes. Nele, podem ser definidos pontos cruciais como:
- O reconhecimento explícito de que o doador será registrado como pai/mãe da criança.
- Como será exercida a guarda (compartilhada como regra).
- Um esboço inicial do plano de convivência.
- Como serão divididas as responsabilidades financeiras (pensão alimentícia).
Este planejamento prévio é a melhor ferramenta para prevenir litígios. O que acontece se uma das partes, após o nascimento, se arrepende? Por exemplo, se a mãe que gestou decide que o “doador” não deve ter direitos? Se ele conseguir provar que desde o início o projeto era de uma paternidade compartilhada, ele poderá buscar na Justiça o reconhecimento da paternidade socioafetiva e, consequentemente, a regulamentação da guarda e da convivência, pois havia uma expectativa legítima e um plano conjunto. O mesmo vale para o “doador” que tenta se eximir de suas responsabilidades: a outra parte pode buscar o reconhecimento da paternidade e a fixação da pensão alimentícia.
Uma vez estabelecida a filiação do doador conhecido, ele se torna pai para todos os efeitos legais. Com isso, as regras de guarda e convivência são exatamente as mesmas aplicadas a pais que tiveram um relacionamento amoroso. A guarda será, por regra, compartilhada, implicando na tomada de decisões conjunta e na divisão equilibrada do tempo e das responsabilidades. O direito de convivência será amplo, e o dever de pagar pensão alimentícia será estabelecido com base no binômio necessidade da criança versus possibilidade do pai.
A produção independente é uma expressão da liberdade e do planejamento familiar, mas ela exige uma maturidade e uma clareza de comunicação ainda maiores do que em um arranjo tradicional. A formalização dos acordos e o entendimento de que o vínculo parental nasce do desejo e da responsabilidade, e não apenas da biologia, são os pilares que garantirão que o projeto de ter um filho se concretize de forma segura e feliz para todos, especialmente para a criança, que nascerá de um ato de vontade e cooperação.