Prisão por Dívida de Alimentos Gravídicos: Direitos da Gestante e Deveres do Suposto Pai

A proteção à vida e à saúde é um direito que se inicia muito antes do nascimento. Ciente de que a gestação é um período de extrema vulnerabilidade e de custos elevados para a mulher, o legislador brasileiro criou uma figura jurídica de imensa importância: os “alimentos gravídicos”. Trata-se de uma modalidade de pensão destinada a garantir o bem-estar da gestante e do bebê que está a caminho. Mas o que acontece quando o suposto pai, ciente da gravidez, se recusa a arcar com sua parte dessa responsabilidade? É possível prender alguém por uma dívida relacionada a uma criança que ainda nem nasceu? A resposta, amparada pela lei e pela justiça, é um retumbante sim.

O que Exatamente são os Alimentos Gravídicos? (Lei nº 11.804/2008)

Instituídos pela Lei nº 11.804 de 2008, os alimentos gravídicos compreendem os valores a serem pagos pelo futuro pai à gestante para custear as despesas adicionais do período de gravidez. O objetivo é dividir responsabilidades desde a concepção. A lei é clara ao listar que esses valores devem cobrir despesas como: exames pré-natais, ultrassonografias, consultas médicas, medicamentos e vitaminas, alimentação especial, internações, roupas adequadas para a gestação e até mesmo as despesas com o parto e a recuperação pós-parto. Em suma, é o reconhecimento legal de que o pai tem o dever de garantir uma gestação digna e saudável, tanto para a mãe quanto para seu filho.

A Prova Necessária: Bastam os “Indícios de Paternidade”

Este é um dos pontos mais cruciais e que diferencia essa ação. Como seria impossível realizar um exame de DNA durante a gravidez sem riscos, a lei facilitou a obtenção do direito. Para que o juiz fixe um valor de alimentos gravídicos, a gestante não precisa apresentar uma prova cabal e incontestável da paternidade. A Lei nº 11.804/2008 exige apenas a apresentação de “indícios de paternidade”. O que são esses indícios? Podem ser fotos do casal junto, mensagens trocadas por WhatsApp ou redes sociais que demonstrem o relacionamento, cartas, e-mails, ou o depoimento de testemunhas que possam confirmar a existência de um vínculo afetivo entre a gestante e o suposto pai na época da concepção. O padrão de prova é mais baixo para atender à urgência que a situação exige.

A Execução e a Plena Possibilidade de Prisão do Suposto Pai

Uma vez que o juiz, convencido pelos indícios, fixa o valor mensal dos alimentos gravídicos, essa obrigação passa a ter a mesma natureza jurídica e a mesma força de uma pensão alimentícia convencional. Consequentemente, em caso de não pagamento, a gestante, representada por seu advogado, pode ingressar com a Ação de Execução de Alimentos, e todo o rito coercitivo previsto no Código de Processo Civil, incluindo a prisão, é plenamente aplicável. O suposto pai será citado para pagar o débito em três dias, apresentar uma justificativa plausível ou, na inércia, ter sua prisão civil decretada. A urgência das necessidades da gestante e do nascituro justifica plenamente o uso da medida mais drástica do sistema.

E Após o Nascimento? A Conversão Automática em Pensão Alimentícia

A lei também pensou na continuidade do amparo à criança. Com o nascimento com vida do bebê, os alimentos gravídicos são automaticamente convertidos em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, sem a necessidade de uma nova ação judicial. O valor pode ser mantido ou, caso as necessidades da criança mudem significativamente, pode ser objeto de uma ação revisional por qualquer uma das partes. A dívida acumulada durante a gestação que não foi paga também não desaparece; ela pode ser executada normalmente em nome da criança, representada pela mãe.

A Questão do DNA Negativo: E se ele não for o pai?

E se, após o nascimento, o exame de DNA comprovar que o homem que pagou (ou foi executado) os alimentos gravídicos não é o pai biológico? A jurisprudência majoritária entende que os valores que já foram pagos são considerados irrepetíveis, ou seja, não podem ser pedidos de volta. Isso ocorre porque eles foram destinados a um bem maior – a saúde e a vida da gestante e do nascituro – e foram consumidos para essa finalidade. No entanto, o pai de fato pode ser acionado para ressarcir o que foi pago indevidamente. Já em relação à dívida que ainda não foi paga, com o resultado negativo do DNA, a obrigação de pagar é extinta e a execução, paralisada.

Em essência, os alimentos gravídicos são a materialização do princípio de que a responsabilidade parental se inicia na concepção. A possibilidade de prisão do devedor é o mecanismo que dá força a essa proteção, garantindo que a gestante não seja deixada a arcar sozinha com os custos e os desafios de uma das fases mais importantes e vulneráveis da vida.

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