Prisão Civil e o Novo Relacionamento do Devedor: A Pensão do Filho tem Prioridade?

A vida segue seu curso e, após o fim de um relacionamento, é comum que as pessoas constituam novas famílias. Um novo casamento ou união estável traz consigo novos projetos, alegrias e, inevitavelmente, novas despesas. Diante de um orçamento que agora precisa abarcar o sustento de uma nova parceira e, por vezes, de novos filhos, surge uma dúvida crucial e moralmente complexa para o devedor de alimentos: qual obrigação vem primeiro? As despesas da nova família podem justificar o atraso ou o não pagamento da pensão do filho da relação anterior? A resposta da Justiça brasileira é firme, clara e amparada pela Constituição: a obrigação alimentar com a prole preexistente tem caráter absolutamente prioritário.
O Status Constitucional da Dívida Alimentar: Uma Obrigação de Valor Supremo
Para entender essa prioridade, é preciso compreender que a dívida de alimentos não é uma dívida comum, como um financiamento ou a fatura do cartão de crédito. A pensão alimentícia é o instrumento que materializa o dever de sustento, um desdobramento direto do princípio da dignidade da pessoa humana e do direito fundamental à vida e à saúde da criança, conforme garantido pelo artigo 227 da Constituição Federal. Trata-se de uma obrigação de valor constitucional. Por outro lado, a decisão de iniciar um novo relacionamento e constituir uma nova família, embora seja um direito legítimo, é um ato de livre e espontânea vontade do indivíduo. A consequência lógica, para o Direito, é que as responsabilidades decorrentes desse ato voluntário não podem se sobrepor ou anular uma obrigação legal e constitucional já existente e de caráter vital.
A Tese do “Novo Relacionamento” como Justificativa para a Prisão: Uma Defesa Falha
No calor de um processo de execução, com a ameaça de prisão se tornando real, é muito comum que o devedor apresente como justificativa os altos custos de sua nova estrutura familiar. Argumenta que não pagou a pensão porque precisou arcar com o aluguel de uma casa maior, com as despesas da nova esposa que não trabalha, ou com a chegada de um novo bebê. Perante os tribunais, essa justificativa é considerada juridicamente frágil e é, na esmagadora maioria dos casos, rejeitada para afastar uma ordem de prisão. O entendimento consolidado é que o devedor, ao optar por formar uma nova família, tinha o dever de planejar suas finanças considerando a obrigação alimentar prioritária que já possuía. Colocar as despesas do novo relacionamento à frente da pensão do filho é interpretado pela Justiça não como uma “impossibilidade absoluta” de pagar, mas como uma inversão deliberada de prioridades.
O Dever de Sustento da Nova Cônjuge e o Tratamento Isonômico da Prole
Um argumento específico que costuma surgir é a alegação de que a nova cônjuge ou companheira não trabalha e depende financeiramente do devedor. A Justiça analisa essa questão com base no dever de mútua assistência entre os cônjuges, mas entende que esse dever não pode servir de pretexto para o descumprimento do dever de sustento para com o filho. A prioridade legal e moral é, invariavelmente, a prole. Da mesma forma, a chegada de um novo filho, embora altere a capacidade financeira do genitor, não justifica o desamparo do primeiro. O princípio constitucional da isonomia entre os filhos impede que um seja beneficiado em detrimento do outro.
A Via Correta para o Reequilíbrio: A Ação Revisional de Alimentos
Isso significa que a Justiça é insensível à nova realidade do devedor? Não. A questão é que a via processual para discutir essa nova realidade não é a defesa em um processo de execução. O caminho correto, proativo e que demonstra boa-fé é a Ação Revisional de Alimentos. É neste processo que o devedor poderá apresentar todas as suas novas despesas, incluindo as decorrentes do novo filho, para demonstrar ao juiz que sua capacidade financeira foi alterada. O objetivo será buscar um reajuste no valor da pensão, para que ele possa prover o sustento de todos os seus filhos de forma equilibrada e proporcional, sem que o ônus recaia injustamente sobre apenas um deles. A revisional ajusta a obrigação para o futuro, mas não serve como desculpa para o inadimplemento do passado.
Em conclusão, constituir uma nova família é um projeto de vida legítimo, mas que exige planejamento e responsabilidade. Para a Justiça brasileira, a pensão alimentícia de um filho não é uma conta secundária que pode ser empurrada para o fim da fila. É um dever com status constitucional, uma dívida de honra que precede as despesas de um novo arranjo familiar. Fazer escolhas que ignorem essa prioridade não será visto como infortúnio, mas como negligência, e é o caminho mais curto para a rejeição de qualquer justificativa e para a dura realidade da prisão civil.