PGR (NR-1): Como a Medicina do Trabalho se Conecta à Nova Gestão de Riscos Ocupacionais?

A gestão de Saúde e Segurança no Trabalho (SST) no Brasil passou por uma modernização significativa com a revisão da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que introduziu o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) em substituição ao antigo PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais). Essa mudança não foi apenas de sigla, mas representou uma evolução conceitual, buscando uma abordagem mais dinâmica, abrangente e integrada da prevenção. Nesse novo cenário, como se posiciona a Medicina do Trabalho, tradicionalmente focada no PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – NR-7)? A resposta está na integração: o PGR e o PCMSO não são mais entidades separadas, mas peças complementares e interdependentes de um mesmo sistema de gestão, onde a Medicina do Trabalho assume um papel ainda mais estratégico.

O PGR, conforme delineado na NR-1, é o documento (ou conjunto de documentos) que materializa o processo de Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) na empresa. Seus dois componentes principais são o Inventário de Riscos Ocupacionais e o Plano de Ação. O Inventário realiza a etapa de identificação de perigos (fontes de risco) e avaliação dos riscos (combinação da probabilidade e severidade das possíveis lesões ou agravos à saúde) presentes no ambiente de trabalho – abrangendo riscos físicos, químicos, biológicos, ergonômicos e de acidentes. Já o Plano de Ação estabelece as medidas de prevenção e controle que serão adotadas, monitoradas e aprimoradas continuamente para eliminar, reduzir ou controlar esses riscos. O objetivo central do PGR é antecipar, reconhecer, avaliar e, consequentemente, controlar a ocorrência de riscos ambientais que possam comprometer a saúde e a integridade dos trabalhadores.

A conexão entre o PGR e o PCMSO é explícita e fundamental. A própria NR-1 (item 1.5.3.1.3) estabelece que o PGR deve fornecer as informações sobre os riscos ocupacionais para subsidiar a elaboração e implementação do PCMSO. Em outras palavras, o PGR é a fonte primária que diz à Medicina do Trabalho quais riscos precisam ser monitorados na saúde dos trabalhadores. O Médico Coordenador do PCMSO utilizará o Inventário de Riscos do PGR para definir:

  • Quais exames médicos clínicos e complementares são necessários para cada grupo de trabalhadores expostos a determinados riscos.
  • Qual a periodicidade adequada para esses exames (além dos mínimos legais).
  • Quais os parâmetros de monitoramento biológico a serem considerados. Sem um PGR bem elaborado, que identifique corretamente os riscos, o PCMSO corre o risco de ser genérico, ineficaz ou até mesmo omisso em relação a exposições perigosas.

No entanto, a relação entre PGR e Medicina do Trabalho não é uma via de mão única. O PCMSO, através da vigilância da saúde dos trabalhadores, também oferece informações valiosas que retroalimentam e validam o PGR, fechando o ciclo de melhoria contínua:

  • Monitoramento da Eficácia dos Controles: Os resultados dos exames periódicos e a análise de dados de saúde coletivos (consolidados no Relatório Analítico anual do PCMSO) funcionam como um termômetro biológico. Eles indicam se as medidas de controle definidas no Plano de Ação do PGR estão, de fato, protegendo a saúde dos trabalhadores. Resultados alterados podem sinalizar que os controles são insuficientes ou não estão sendo cumpridos.
  • Identificação de Novos Riscos ou Falhas na Avaliação: Queixas recorrentes de saúde ou o surgimento de doenças em um grupo de trabalhadores podem alertar para riscos que foram subestimados ou não identificados no Inventário de Riscos do PGR, exigindo sua revisão.
  • Subsídios para Ações Preventivas: A análise epidemiológica dos dados de saúde pelo Médico Coordenador pode identificar grupos ou setores prioritários para ações preventivas mais intensivas a serem incluídas no Plano de Ação do PGR.
  • Análise de Acidentes e Doenças: A investigação médica das causas de acidentes ou doenças ocorridos fornece insights valiosos para corrigir falhas no PGR e prevenir novas ocorrências.
  • Apoio Técnico na Avaliação de Riscos: O conhecimento do Médico do Trabalho sobre fisiologia, toxicologia e ergonomia pode ser fundamental para qualificar a avaliação de certos riscos no PGR. Um exemplo claro dessa integração: o Relatório Analítico do PCMSO detecta um aumento significativo de queixas de dores lombares entre operadores de empilhadeira. Essa informação deve levar a uma revisão da avaliação de riscos ergonômicos (vibração, postura) para essa função no PGR e à inclusão de novas medidas no Plano de Ação (melhores assentos, pausas, rodízios, treinamento postural).

A mensagem central da nova NR-1 é a necessidade de sinergia e comunicação constante entre as diferentes ferramentas e profissionais de SST. PGR e PCMSO não são programas estanques, mas complementares. O PGR identifica e propõe o controle do risco no ambiente; o PCMSO monitora o efeito desse risco (e do seu controle) na saúde do trabalhador. A eficácia da prevenção depende fundamentalmente dessa integração.

Para que a gestão de SST seja verdadeiramente eficaz sob a égide do PGR, é imprescindível quebrar os silos. Se na sua empresa, o profissional que elabora o PGR (geralmente da Engenharia de Segurança) e o Médico Coordenador do PCMSO não dialogam, não trocam informações e não alinham suas ações, a prevenção está comprometida. Trabalhador: entenda que os exames médicos que você realiza devem ser direcionados aos riscos específicos do seu trabalho, que devem estar mapeados no PGR da sua empresa. Empresa: fomente a colaboração e a comunicação entre as equipes responsáveis pelo PGR e pelo PCMSO. Garanta que o Inventário de Riscos subsidie o PCMSO e que os achados do PCMSO retroalimentem o PGR. Investir nessa integração não é apenas uma exigência normativa, é a forma mais inteligente e eficiente de construir um ambiente de trabalho mais seguro, proteger a saúde dos seus colaboradores e resguardar a empresa de passivos futuros. A dupla PGR e PCMSO, quando afinada, é imbatível na promoção da saúde e segurança.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo