Penhora de Bens do Devedor de Alimentos: O que Pode e o que Não Pode ser Penhorado?

Quando a prisão civil não é o caminho escolhido ou se mostra ineficaz, a Justiça volta seu foco para o patrimônio do devedor. A penhora de bens é o ato pelo qual o Estado, por meio de uma ordem judicial, “toma” ou “reserva” os bens de uma pessoa para garantir o pagamento de uma dívida. É a execução em sua forma mais material. Mas até onde vai o poder da Justiça? O que exatamente pode ser tirado de um devedor de alimentos? O único imóvel onde ele mora com sua nova família? O carro que usa para trabalhar? Seu salário? A lei brasileira cria uma série de proteções para garantir a dignidade do devedor, mas a dívida de pensão alimentícia tem a força de um furacão, capaz de derrubar muitas dessas barreiras.
A Regra Geral: A Impenhorabilidade como Proteção da Dignidade
O artigo 833 do Código de Processo Civil lista um rol de bens considerados impenhoráveis. O objetivo dessa proteção é nobre: garantir que, mesmo endividado, o cidadão possa manter um núcleo mínimo de dignidade para si e sua família. Entre os bens tradicionalmente protegidos estão: os salários e aposentadorias (em regra), os móveis essenciais que guarnecem a residência (cama, fogão, geladeira), as ferramentas de trabalho indispensáveis à profissão e, o mais famoso de todos, o bem de família, que é o único imóvel utilizado pela entidade familiar para moradia permanente. Em uma dívida comum, com um banco por exemplo, esses bens estariam, em princípio, a salvo. Mas a dívida alimentar não é uma dívida comum.
A Exceção Poderosa: Dívida de Alimentos Fura a Blindagem Patrimonial
A natureza vital da pensão alimentícia confere a ela um status de “supercrédito” no ordenamento jurídico. O direito à sobrevivência de uma criança ou adolescente se sobrepõe à proteção patrimonial do devedor. Por isso, a própria lei que cria a proteção também cria as exceções. O § 2º do mesmo artigo 833 do CPC é explícito ao afirmar que a regra da impenhorabilidade de salários e aposentadorias NÃO se aplica no caso de pagamento de prestação alimentícia. Da mesma forma, a Lei nº 8.009/90, que protege o bem de família, prevê em seu artigo 3º que essa impenhorabilidade não pode ser usada contra uma cobrança de pensão alimentícia. Ou seja, as duas principais blindagens patrimoniais do devedor são perfuradas pela dívida de alimentos.
Na Prática: O que PODE ser Penhorado para Pagar a Pensão?
Com o poder de furar as principais proteções, a lista de bens penhoráveis para quitar uma dívida de alimentos é extensa. A busca geralmente segue uma ordem de preferência, do mais fácil para o mais complexo:
- Dinheiro: Em contas correntes, poupanças ou investimentos. É o primeiro e principal alvo, localizado via sistema SISBAJUD.
- Parte do Salário ou Aposentadoria: O juiz pode determinar o desconto de até 50% dos rendimentos líquidos mensais do devedor.
- Veículos: Carros, motos, barcos, etc. Podem ser restringidos via RENAJUD e levados a leilão.
- Imóveis: Casas, apartamentos, terrenos. Mesmo que seja o único imóvel residencial da nova família do devedor, ele pode ser penhorado e leiloado.
- Créditos a Receber: Valores que o devedor tenha a receber de terceiros, como aluguéis, restituição de imposto de renda, prêmios de loteria, etc.
- Bens de Luxo e Outros Móveis: Joias, obras de arte, equipamentos eletrônicos que não sejam essenciais.
O que Resta? O que (Geralmente) NÃO Pode ser Penhorado
Apesar da força da dívida alimentar, a dignidade do devedor ainda é preservada em um nível mínimo. Alguns bens permanecem protegidos, mesmo nesse cenário. Geralmente, não podem ser penhorados: os móveis e utensílios domésticos considerados essenciais para uma vida minimamente digna (cama, mesa, cadeiras, fogão, geladeira); os livros e as ferramentas de trabalho comprovadamente indispensáveis ao exercício da profissão (o computador de um designer, o táxi de um taxista); e os recursos de origem alimentar do próprio devedor abaixo do limite legal. A ideia é que a cobrança não pode deixar o devedor em um estado de miséria absoluta.
Em suma, a dívida de alimentos tem o poder de relativizar o direito à propriedade do devedor. A mensagem da lei é clara: a obrigação de sustentar um filho vem primeiro. Para o credor, isso representa a segurança de que a cobrança pode ser efetiva e alcançar os bens mais valiosos do devedor. Para o devedor, é um alerta de que não há porto seguro para seu patrimônio quando o assunto é o direito fundamental de seu filho.