“Pejotização” e a Tentativa de Burlar a Pensão Alimentícia: Como a Justiça Identifica a Fraude?

No jogo de gato e rato que por vezes se torna a cobrança de alimentos, alguns devedores desenvolvem estratégias cada vez mais sofisticadas para ocultar sua real capacidade financeira. Uma das manobras mais comuns e engenhosas da atualidade é a “pejotização”: a prática de se apresentar como uma empresa (Pessoa Jurídica – PJ) para mascarar uma alta renda pessoal. O devedor alega no processo que seu “salário” é apenas um valor simbólico, enquanto a maior parte de seus ganhos flui através de sua empresa. Como a Justiça, atenta a essa artimanha, tem conseguido perfurar o véu da pessoa jurídica para encontrar a verdade e garantir o sustento da criança?
O Mecanismo da Fraude: Como a “Pejotização” é Usada para Enganar
A “pejotização” em si é um fenômeno do mercado de trabalho, onde empresas contratam pessoas como PJs para reduzir custos trabalhistas. No contexto da pensão alimentícia, a fraude ocorre quando o próprio devedor cria uma estrutura empresarial com o propósito de blindar sua renda. O mecanismo é o seguinte: o devedor constitui uma empresa, muitas vezes uma Microempresa Individual (MEI) ou uma Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), e passa a receber todos os seus pagamentos por serviços prestados através da conta dessa empresa. Para si mesmo, ele define um “pró-labore” (o salário oficial do sócio) de valor muito baixo, como um ou dois salários mínimos. No processo de alimentos, ele apresenta apenas o comprovante desse pró-labore, alegando que essa é toda a sua renda, quando, na verdade, o faturamento da sua empresa é muitas vezes maior.
A Arma da Justiça: A Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Para combater essa fraude, o Direito brasileiro possui uma ferramenta extremamente poderosa: a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil. Esse mecanismo permite que o juiz, em situações específicas, “levante o véu” que separa a pessoa física do sócio e a pessoa jurídica da empresa. Quando fica comprovado que a empresa foi utilizada com abuso da finalidade ou para cometer uma fraude contra credores – o que é exatamente o caso de quem a usa para pagar menos pensão –, o juiz pode ignorar essa separação formal. Na prática, isso significa que o patrimônio, as contas bancárias e as receitas da empresa passam a responder diretamente pela dívida de pensão alimentícia da pessoa física do sócio.
As Ferramentas de Investigação: Como Provar a Fraude na Prática
O desafio para o advogado do credor é provar que a empresa é apenas uma fachada. Para isso, ele pode solicitar ao juiz uma série de medidas investigativas, que incluem:
- A Quebra do Sigilo Bancário e Fiscal da Empresa: Esta é a medida mais eficaz. O juiz oficia os bancos para que apresentem os extratos completos da conta da PJ e à Receita Federal para que envie as declarações de faturamento. Esses documentos revelarão a real movimentação financeira, que pode ser comparada com o baixo pró-labore declarado.
- A Análise das Faturas de Cartão de Crédito da Pessoa Física: Mesmo que a renda entre pela PJ, os gastos pessoais costumam ser altos. A comparação entre a fatura do cartão de crédito pessoal do devedor e seu pró-labore declarado pode expor a fraude.
- A Demonstração da Confusão Patrimonial: Provar que o devedor paga suas contas pessoais (aluguel, condomínio, escola dos novos filhos, viagens) diretamente da conta da empresa é a prova cabal de que não há separação real entre a pessoa física e a jurídica.
- A Teoria da Aparência: Utilizar fotos de redes sociais e outros indícios do padrão de vida do devedor para confrontar com a renda que ele alega ter.
As Consequências da Fraude Descoberta: Penhora, Multas e Prisão
Uma vez que o juiz se convence da fraude, as consequências para o devedor são severas. Ele pode determinar a penhora de um percentual do faturamento bruto mensal da empresa ou o bloqueio de valores diretamente na conta da pessoa jurídica para quitar a dívida. Além disso, a manobra pode ser considerada um ato atentatório à dignidade da justiça, levando à condenação do devedor por litigância de má-fé, com o pagamento de multas que podem chegar a 20% do valor da causa. E, claro, com a comprovação da real capacidade financeira, a justificativa de impossibilidade de pagar se desfaz, abrindo caminho para a decretação da prisão civil com base na renda efetiva, e não na declarada.
A “pejotização” como estratégia para fugir da pensão alimentícia é uma manobra cada vez mais conhecida e combatida pelo Judiciário. A mensagem dos tribunais é clara: o véu que protege a pessoa jurídica não é um manto de invisibilidade para as obrigações parentais. A Justiça tem as ferramentas para olhar por trás da cortina do CNPJ e encontrar o CPF do devedor. Para quem tenta usar a inteligência empresarial para lesar o direito de um filho, a resposta da Justiça será igualmente inteligente e muito mais contundente.