Paternidade Socioafetiva vs. Paternidade Biológica: Um Conflito Jurídico

Quando o afeto fala mais alto que o sangue.
O Direito de Família, tradicionalmente centrado na biologia, tem evoluído para abarcar a complexidade das relações humanas. A discussão entre paternidade socioafetiva e biológica é a prova disso. O conceito de “pai” deixou de ser apenas genético e passou a incluir aquele que, por laços de afeto e convivência, assume o papel paterno, independentemente de qualquer vínculo de sangue. Essa coexistência, no entanto, gera conflitos jurídicos complexos que precisam ser analisados com cautela, especialmente quando o reconhecimento da paternidade biológica é buscado.
O que é Paternidade Socioafetiva?
A paternidade socioafetiva é aquela que se consolida pela convivência e pelo afeto, e não pelo vínculo genético. É o caso de um padrasto que cria um enteado como filho, de forma pública e contínua, ou de um pai adotivo. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou o entendimento de que a paternidade socioafetiva é tão válida quanto a biológica, garantindo ao filho todos os direitos e deveres inerentes à filiação, incluindo herança e pensão alimentícia.
Essa modalidade de paternidade pode ser reconhecida por meio de um processo judicial ou extrajudicial, desde que haja a manifestação de vontade das partes e a comprovação da relação de afeto. A Lei nº 13.465/2017 trouxe importantes avanços, permitindo o reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva diretamente em cartórios.
O Conflito em Xeque: A Busca pela Paternidade Biológica
A principal tensão surge quando um filho com pai socioafetivo decide buscar o reconhecimento do pai biológico. A pergunta que se impõe é: qual paternidade deve prevalecer? Para o Supremo Tribunal Federal (STF), a resposta está na multiparentalidade. O julgamento do Recurso Extraordinário 898.060, com repercussão geral, estabeleceu a tese de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em ação própria, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação biológica”.
Isso significa que a criança tem o direito de ter, em seu registro, o nome tanto do pai biológico quanto do pai socioafetivo. O STF reconheceu que o afeto e a biologia não são excludentes, mas sim complementares para a formação da identidade de um indivíduo. Essa decisão histórica abriu caminho para a convivência de ambas as paternidades, permitindo que a verdade biológica e a afetiva coexistam no registro de nascimento.
Os Desafios e o Futuro das Famílias
Embora a multiparentalidade seja a solução adotada pelos tribunais, sua aplicação ainda levanta desafios práticos. Como ficam os direitos e deveres? O filho pode exigir pensão alimentícia de ambos os pais? A herança é dividida entre os dois? A jurisprudência tem caminhado no sentido de que ambos os pais têm deveres e direitos, mas a divisão de responsabilidades pode ser proporcional à realidade de cada um.
A coexistência da paternidade socioafetiva e biológica reflete uma sociedade em constante mudança. O Direito de Família, ao reconhecer a complexidade dos laços afetivos, reafirma seu compromisso com a dignidade da pessoa humana e com o direito à identidade. A verdade biológica é importante, mas o amor, a convivência e o afeto também o são. O novo cenário jurídico não nega o sangue, mas enaltece os laços construídos dia a dia.