Partilha de Bens de Empresas no Divórcio: O que Acontece com as Cotas Sociais?

Para um empreendedor, a empresa é muito mais do que um ativo financeiro; é um projeto de vida, um legado, quase como um filho. Mas quando o casamento do empresário chega ao fim, esse “filho” corporativo é inevitavelmente arrastado para o centro da disputa. A partilha de cotas ou ações de uma empresa é um dos temas mais delicados, complexos e de alto risco em um divórcio. O processo envolve não apenas o patrimônio do casal, mas a saúde financeira do negócio, a relação com os outros sócios e o futuro de seus colaboradores. Um movimento errado pode não apenas gerar um prejuízo milionário, mas também ameaçar a própria sobrevivência da companhia.

A primeira questão a ser esclarecida é se as cotas da empresa de fato entram na partilha. A resposta depende fundamentalmente do regime de bens e de quando a empresa foi constituída ou as cotas foram adquiridas. Nos regimes de comunhão (parcial ou universal), as cotas sociais ou ações adquiridas onerosamente durante o casamento são consideradas patrimônio comum e, portanto, seu valor econômico é partilhável. Se a empresa foi fundada durante a união com recursos do trabalho do casal, não há dúvida de que seu valor deve ser dividido. A situação muda se a empresa foi criada antes do casamento (no regime de comunhão parcial) ou recebida por herança. Nesses casos, as cotas em si são bens particulares, mas o ex-cônjuge pode ter direito à partilha da valorização que a empresa teve durante o casamento, se comprovar que contribuiu para esse crescimento.

Mesmo que o valor das cotas seja partilhável, isso significa que o ex-cônjuge se tornará sócio da empresa? A resposta, na esmagadora maioria dos casos, é não. O Direito Empresarial protege a sociedade com um princípio chamado affectio societatis, que é a intenção, a afinidade e a confiança que une os sócios para um objetivo comum. Forçar a entrada de um ex-cônjuge, muitas vezes em um contexto de litígio, violaria esse princípio e poderia paralisar a gestão do negócio. Portanto, o direito do ex-cônjuge é, em regra, um direito de crédito correspondente ao valor de sua meação nas cotas, e não o direito de se tornar sócio e participar das decisões da empresa.

Para transformar as cotas em dinheiro, o procedimento técnico utilizado é a “apuração de haveres”. Trata-se de um processo contábil complexo, geralmente conduzido por um perito judicial, para determinar o valor justo da empresa e, consequentemente, da participação societária do cônjuge-sócio. Esse cálculo vai muito além do valor patrimonial contábil; ele envolve a avaliação de todos os ativos tangíveis (imóveis, maquinário) e, crucialmente, os intangíveis (valor da marca, carteira de clientes, ponto comercial), metodologia conhecida como valuation. O valor final encontrado pelo perito será a base para o pagamento ao ex-cônjuge, que pode ser feito em dinheiro, com outros bens do casal (imóveis, carros) ou de forma parcelada, para não descapitalizar a empresa.

A melhor forma de lidar com esse problema é evitá-lo. Empresários podem e devem proteger seus negócios de futuras crises conjugais. A ferramenta mais eficaz para isso é o Acordo de Sócios. Este contrato, firmado entre todos os sócios da empresa, pode incluir uma “cláusula de divórcio”, estabelecendo previamente como a situação será resolvida: qual será o método de valuation utilizado, quem arcará com os custos da avaliação e qual será a forma e o prazo de pagamento para o ex-cônjuge. Ter um acordo de sócios bem estruturado é a melhor blindagem patrimonial para proteger a empresa do divórcio, evitando uma disputa judicial longa e destrutiva. A partilha de uma empresa é a intersecção de alta complexidade entre o Direito de Família e o Direito Empresarial, exigindo uma atuação conjunta e estratégica de advogados e peritos contábeis.

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