PAIR, LER/DORT: As Doenças Ocupacionais Silenciosas Que Custam Caro (e Como a Medicina do Trabalho Pode Evitá-las)

Elas não surgem de um dia para o outro, como um osso quebrado. Instalam-se sorrateiramente, dia após dia, muitas vezes sem sintomas alarmantes no início. Quando finalmente se manifestam de forma incapacitante, o dano já pode ser significativo e, por vezes, irreversível. Falamos da Perda Auditiva Induzida por Ruído (PAIR) e das Lesões por Esforços Repetitivos / Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT), talvez as mais emblemáticas “doenças ocupacionais silenciosas”. Seu desenvolvimento gradual mascara um risco enorme, tanto para a saúde e qualidade de vida do trabalhador quanto para a estabilidade financeira e jurídica da empresa. A boa notícia? A medicina do trabalho, quando atua de forma vigilante e preventiva, é a principal aliada para evitar que esse silêncio se transforme em prejuízo.

A PAIR é exatamente o que o nome diz: a perda de audição causada pela exposição continuada a níveis elevados de pressão sonora no ambiente de trabalho. Sua característica principal é ser neurossensorial (afeta as células do ouvido interno), geralmente bilateral, simétrica e irreversível, começando pelas frequências mais altas (sons agudos) e progredindo lentamente. O Anexo II da NR-7 detalha as diretrizes para o controle médico auditivo, enquanto o Anexo 1 da NR-15 estabelece os limites de tolerância para ruído contínuo ou intermitente. A ferramenta chave para a detecção precoce da PAIR é a realização regular de exames audiométricos em todos os trabalhadores expostos a níveis de ruído acima do permitido, conforme determinado pelo PCMSO.

Já as LER/DORT não são uma única doença, mas um grupo amplo de afecções que atingem músculos, tendões, articulações, nervos e vasos sanguíneos dos membros superiores, inferiores e da coluna vertebral. Tendinites, tenossinovites, bursites, síndrome do túnel do carpo, dedo em gatilho, lombalgias e cervicalgias relacionadas ao trabalho são exemplos comuns. A causa? Uma combinação de fatores presentes no ambiente laboral: repetitividade de movimentos, esforço físico excessivo, manutenção de posturas inadequadas por tempo prolongado, vibração, pressão mecânica sobre segmentos do corpo e fatores psicossociais (estresse, pressão por produção). A NR-17 (Ergonomia) é a norma fundamental que visa adaptar as condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, sendo a principal ferramenta para a prevenção de LER/DORT. O diagnóstico é essencialmente clínico, baseado nos sintomas, exame físico e, crucialmente, na análise da história ocupacional e da organização do trabalho. As LER/DORT representam a maior parcela das doenças ocupacionais registradas no Brasil, gerando altíssimos custos sociais e econômicos.

Diante desse cenário, qual o papel da medicina do trabalho? Ele é absolutamente central e deve ser eminentemente preventivo e vigilante. Não basta apenas realizar os exames periódicos por obrigação. É preciso que:

  1. O PCMSO esteja alinhado ao PGR: Os exames solicitados (audiometrias, exames clínicos direcionados ao sistema musculoesquelético) devem corresponder aos riscos reais (ruído, riscos ergonômicos) identificados no Programa de Gerenciamento de Riscos.
  2. Os exames sejam bem executados e interpretados: Um exame clínico superficial ou uma audiometria mal feita perdem seu valor. O médico examinador deve ter postura ativa na investigação de sintomas.
  3. Haja vigilância epidemiológica ativa: O Médico Coordenador do PCMSO deve analisar os resultados conjuntos dos exames (Relatório Analítico), buscando identificar padrões, setores ou funções com maior incidência de alterações auditivas ou queixas musculoesqueléticas. Essa análise permite detectar problemas em fase inicial, antes que se tornem epidemias internas.
  4. Os achados gerem ações concretas: Detectar um aumento de queixas de dor no ombro em um setor não adianta se nada for feito. O PCMSO deve comunicar os achados à empresa e propor medidas (revisão de posto de trabalho, pausas, rodízios, treinamento ergonômico, melhorias no controle de ruído). A medicina do trabalho atua como uma sentinela que dispara o alarme e orienta a ação.

As consequências de uma abordagem passiva ou negligente são graves. Para o trabalhador, significa conviver com dor crônica, limitações funcionais, perda de capacidade para o trabalho e para atividades da vida diária, impactando profundamente seu bem-estar. Para a empresa, a conta chega na forma de aumento do absenteísmo, queda de produtividade, elevação dos custos com planos de saúde e, principalmente, processos trabalhistas pleiteando indenizações (danos morais, materiais, estéticos) e benefícios previdenciários acidentários, que por sua vez impactam o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) e aumentam a carga tributária. Ignorar os sinais precoces dessas doenças silenciosas é plantar um passivo que pode explodir no futuro. Imagine uma linha de montagem onde queixas de dor nas mãos são ignoradas por anos; a empresa pode se ver diante de dezenas de ações por síndrome do túnel do carpo simultaneamente.

A prevenção ativa de PAIR e LER/DORT é, portanto, um investimento estratégico. Se você trabalha em condições de risco para essas doenças (ruído, repetitividade, esforço) e percebe que os exames periódicos são superficiais ou que suas queixas não recebem a devida atenção, sua saúde futura pode estar sendo comprometida. É seu direito e dever zelar por um ambiente de trabalho seguro e cobrar da empresa uma postura vigilante em relação à saúde ocupacional. Para as empresas, implementar um PGR e um PCMSO que realmente funcionem, com foco na identificação precoce e na ação preventiva baseada em dados concretos, não é apenas cumprir a lei, mas proteger seu maior ativo – as pessoas – e garantir sua própria sustentabilidade econômica e jurídica. Não espere o silêncio ser quebrado pela dor incapacitante ou por uma notificação judicial; aja preventivamente.

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