Paguei Parte da Dívida, Ainda Posso Ser Preso? A Questão do Pagamento Parcial na Execução de Alimentos
Em um gesto de boa-fé e na tentativa de resolver a situação, o devedor consegue juntar uma parte do dinheiro e deposita na conta do credor. Ele respira, aliviado, acreditando que esse ato afastou o fantasma da prisão. Mas será que essa crença corresponde à realidade jurídica? A questão do pagamento parcial é uma das armadilhas mais comuns e perigosas na execução de alimentos. Um ato que parece ser a solução pode, na verdade, não ter efeito prático para impedir a privação de liberdade. Entender a posição dos tribunais sobre o tema é crucial para não ser pego de surpresa e garantir que seus esforços financeiros se convertam em segurança jurídica real.
A Posição Dominante da Justiça: Pagamento Parcial Não Impede a Prisão
A jurisprudência brasileira, consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), é extremamente rigorosa neste ponto. A regra geral é clara e direta: o pagamento parcial da dívida alimentar não é suficiente para afastar o decreto de prisão civil. O raciocínio dos tribunais se baseia na própria natureza da dívida. Os alimentos têm caráter de urgência e são destinados à subsistência do alimentando. Portanto, a obrigação deve ser cumprida em sua totalidade para atender plenamente às necessidades de quem os recebe. A lógica jurídica é que a coerção da prisão só cessa com o cumprimento integral da obrigação que lhe deu causa. Depositar apenas uma fração do valor devido, embora demonstre boa-fé, não cumpre a determinação judicial de quitação do débito.
A Súmula 309 do STJ e a Integralidade do Débito
Para compreender a fundo essa questão, é preciso revisitar o que diz a lei e sua interpretação. A execução pelo rito da prisão, conforme a Súmula 309 do STJ, abrange as três últimas parcelas em atraso antes do ajuizamento da ação, mais todas as que vencerem no curso do processo. Quando o juiz determina a intimação para pagamento em três dias, a ordem se refere ao “débito” total apurado. A palavra-chave aqui é “débito”, no singular e em sua totalidade, e não “parte do débito”. Ao realizar um pagamento parcial, o devedor não está cumprindo a ordem judicial em seus termos exatos. Para o juiz, a inadimplência, mesmo que em valor menor, persiste, e com ela, o motivo que justifica a medida coercitiva da prisão.
Exemplo Prático: Como o Juiz Vê o Depósito Parcial
Imagine o seguinte cenário: a dívida executada é de R$ 4.500,00. O devedor, com muito esforço, deposita R$ 2.500,00 e acredita ter resolvido o problema mais imediato. O que acontece no processo? O advogado do credor imediatamente informa ao juiz que o pagamento foi incompleto. Ele demonstrará que, embora um valor tenha sido pago, ainda resta um saldo devedor de R$ 2.000,00. Diante disso, o juiz, seguindo a orientação do STJ, manterá a ordem de prisão. O valor pago será, obviamente, abatido do montante total da dívida, mas a ameaça de prisão continuará válida para forçar o pagamento do valor remanescente. A coerção só desaparecerá quando o saldo devedor chegar a zero.
A Exceção que Confirma a Regra: O Acordo Judicial Homologado
Existe uma maneira de fazer o pagamento parcial funcionar a seu favor, mas ela exige formalidade. Se você só pode pagar uma parte do valor, a única saída segura é a negociação. Seu advogado deve contatar o advogado da outra parte e propor um acordo: “Pago X agora e o restante em Y parcelas”. Se o credor aceitar, essa negociação precisa ser transformada em um documento escrito. Mais importante ainda: este acordo deve ser protocolado no processo e homologado (validado) pelo juiz. Somente após a homologação judicial é que a ordem de prisão será suspensa ou revogada, pois o acordo cria uma nova forma de cumprimento da obrigação. Um acerto verbal ou uma troca de mensagens não possui qualquer valor jurídico para impedir a prisão.
A conclusão é um alerta: sua boa-fé em pagar parte da dívida, embora louvável, precisa ser convertida em um ato juridicamente eficaz. No mundo do direito processual, intenções não bastam; o que vale é o que está formalizado nos autos do processo. Portanto, antes de fazer qualquer pagamento parcial, procure imediatamente um advogado. Ele poderá usar seu esforço financeiro como uma ferramenta de negociação para buscar um acordo formal, que é a única ponte segura para transformar um pagamento parcial na garantia real de que você não será preso.