Paguei a Pensão Sozinha: Posso Cobrar o Valor do Pai Devedor na Justiça?

A cena é dolorosamente comum em milhares de lares brasileiros: um pai ou mãe que, por lei, deveria pagar a pensão alimentícia, simplesmente deixa de cumprir sua obrigação. Para que as necessidades do filho não fiquem desamparadas, o outro genitor (geralmente a mãe) ou até mesmo os avós acabam arcando com a totalidade das despesas. Essa atitude, além de sobrecarregar injustamente uma das partes, levanta uma questão jurídica crucial: quem pagou a conta no lugar do devedor pode, mais tarde, cobrar esse valor de volta? A resposta é sim. Através do instituto do “direito de regresso”, a lei permite que a pessoa que arcou com a obrigação alimentar de um terceiro processe o devedor original para ser reembolsada, evitando o enriquecimento sem causa de quem se omitiu de seu dever fundamental.

O Direito de Regresso: Entenda a Base Legal para o Reembolso

O direito de regresso em dívidas alimentares não está previsto em um artigo específico para a área de família, mas decorre de uma regra geral do Direito das Obrigações e do princípio que veda o enriquecimento ilícito. O Código Civil estabelece que aquele que paga uma dívida de outrem se sub-roga nos direitos do credor original. Traduzindo para o Direito de Família: quando a mãe, por exemplo, paga a parte da escola, do plano de saúde ou do aluguel que caberia ao pai devedor, ela está, na prática, “emprestando” esse dinheiro para o filho, que era o credor original. Assim, ela passa a ter o direito de cobrar essa “dívida” diretamente do pai inadimplente. Não se trata de uma nova ação de pensão, mas de uma ação de cobrança ou de ressarcimento por valores já pagos.

Quando a Ajuda dos Avós Gera Direito à Cobrança

A mesma lógica se aplica aos avós. A obrigação alimentar dos avós é subsidiária e complementar, ou seja, eles só são chamados a pagar se os pais não puderem ou não o fizerem. Se os avós são acionados judicialmente e passam a pagar a pensão porque o filho (o pai da criança) está inadimplente, eles também podem se voltar contra ele em uma ação de regresso. O STJ já consolidou o entendimento de que os avós que pagam a dívida alimentar do filho têm o direito de cobrar dele, posteriormente, os valores desembolsados. A lei busca, com isso, manter a responsabilidade no seu lugar de origem, que é sempre, em primeiro lugar, dos genitores.

Os Limites: Diferenciando o Dever de Sustento do Ato de Generosidade

É fundamental fazer uma distinção importante. O direito de regresso se aplica quando uma pessoa paga uma obrigação que era, comprovadamente, de outra. Não se pode cobrar por meros atos de liberalidade ou por presentes. Por exemplo, se a mãe decide matricular o filho em um curso de inglês caro, que não estava previsto no acordo de pensão, por sua própria conta, ela não poderá cobrar metade desse valor do pai. Da mesma forma, os avós que dão presentes ou ajudam espontaneamente com alguma despesa, sem que haja uma obrigação legal fixada, estão praticando um ato de generosidade, que não gera direito a reembolso. O direito de regresso nasce do pagamento de uma dívida alimentar, seja ela já fixada por um juiz ou decorrente do dever legal de sustento que foi assumido integralmente por uma parte devido à omissão da outra.

Como Comprovar os Gastos para Pedir o Reembolso?

Para ter sucesso em uma ação de regresso, a prova é fundamental. Não basta alegar que pagou tudo sozinho. É preciso comprovar cada despesa que seria, em parte, responsabilidade do devedor. A organização é a chave. Guarde todos os comprovantes, recibos e notas fiscais de despesas essenciais, como mensalidade escolar, plano de saúde, aluguel, condomínio, cursos, material escolar, etc. Planilhas detalhadas, extratos bancários que mostrem os pagamentos e e-mails ou mensagens onde o devedor reconhece a dívida também são provas valiosas. Com essa documentação em mãos, o advogado poderá ajuizar a ação de cobrança, buscando o ressarcimento dos valores pagos nos últimos anos (o prazo prescricional para a cobrança é, em regra, de 2 anos para dívidas alimentares vencidas). É a Justiça garantindo que a irresponsabilidade não compense.

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