Ocultação de Patrimônio no Divórcio é Crime? Como Agir ao Desconfiar

A confiança é o alicerce de um casamento. Quando ela se quebra, a desconfiança se infiltra em todas as áreas, especialmente na financeira. Uma dúvida cruel e, infelizmente, comum começa a assombrar um dos cônjuges: “Será que ele (ou ela) está escondendo bens para não ter que dividir comigo?”. Essa suspeita não é mero ciúme ou paranoia; é um receio legítimo diante de um dos atos mais desleais em um processo de divórcio: a ocultação de patrimônio. Tentar enganar o ex-parceiro e a própria Justiça para obter uma vantagem indevida é uma manobra de alto risco com consequências civis severas e que pode, inclusive, flertar com a esfera criminal. Este guia irá esclarecer a gravidade desse ato e quais ferramentas legais existem para descobrir a verdade.
Do ponto de vista técnico, a ocultação de patrimônio no divórcio não é, por si só, um crime específico tipificado no Código Penal. Contudo, os efeitos práticos de tal ato são extremamente punitivos no âmbito cível. A conduta é enquadrada como fraude à partilha e litigância de má-fé. A consequência para quem tenta enganar o sistema é devastadora: a perda total do direito sobre o bem sonegado. Ou seja, se um dos cônjuges esconde um apartamento ou um investimento e a outra parte descobre, o juiz pode determinar que 100% daquele bem específico seja destinado ao cônjuge que foi lesado, como uma penalidade pela desonestidade. Além disso, o cônjuge fraudador ainda pode ser condenado a pagar uma multa por litigância de má-fé, que pode chegar a 10% do valor da causa.
Embora o tratamento padrão seja na esfera cível, a depender da gravidade e da forma como a fraude é executada, a conduta pode, sim, ultrapassar essa fronteira e se tornar um caso criminal. A tese jurídica mais discutida é a da configuração de estelionato judicial (Art. 171 do Código Penal). O argumento é que o cônjuge, ao mentir e ocultar bens, está induzindo o juiz e a outra parte a erro com o objetivo claro de obter uma vantagem patrimonial ilícita. Embora seja uma tese de aplicação complexa e mais rara, ela vem ganhando força nos tribunais para casos mais graves. Adicionalmente, é muito comum que os bens ocultados também não tenham sido declarados à Receita Federal, o que pode configurar, de forma autônoma, um crime de sonegação fiscal, abrindo uma outra frente de problemas legais para quem tentou ser esperto.
A desconfiança raramente surge do nada. Ela é alimentada por sinais de alerta, mudanças no comportamento financeiro que devem ser observadas com atenção. Fique atento a transferências bancárias repentinas e de alto valor para contas de parentes ou amigos; a venda de imóveis ou carros por valores muito abaixo do mercado; a criação de novas empresas ou a inclusão de “laranjas” em sociedades existentes; uma recusa constante em apresentar documentos financeiros como extratos ou declarações de imposto de renda; e, principalmente, a ostentação de um padrão de vida incompatível com a renda declarada no processo. Esses são indícios clássicos que justificam uma investigação mais aprofundada.
Se a suspeita é forte e baseada em indícios concretos, não se deve agir por impulso. O caminho é procurar imediatamente um advogado especialista, que utilizará as ferramentas legais corretas para uma investigação patrimonial. A atuação proativa do advogado através dos mecanismos de busca judicial é a arma mais poderosa contra a fraude. Isso inclui pedidos de quebra de sigilo bancário e fiscal do ex-cônjuge; a utilização de sistemas conveniados ao judiciário como o SISBAJUD (que vasculha contas e investimentos em todo o sistema financeiro), RENAJUD (veículos) e as buscas nos cartórios de registro de imóveis; e o envio de ofícios a órgãos como a Junta Comercial e a SUSEP (Superintendência de Seguros Privados). Em casos mais complexos, pode-se até contratar peritos forenses. Ocultar patrimônio é uma estratégia arriscada que o sistema jurídico está cada vez mais preparado para combater. A busca pela verdade não é vingança, é a luta pelo que é seu por direito.