O Princípio da Igualdade entre Cônjuges e Companheiros: Aspectos Patrimoniais e Existenciais

Durante séculos, a estrutura familiar foi sinônimo de hierarquia. A figura do “chefe de família” concentrava o poder de decisão, e a mulher, muitas vezes, ocupava uma posição de subordinação. A Constituição de 1988 foi a grande força demolidora desse modelo arcaico. Ao estabelecer a igualdade absoluta entre homens e mulheres em direitos e obrigações, ela reinventou a sociedade conjugal, transformando-a em uma parceria baseada na cooperação, no respeito mútuo e na tomada conjunta de decisões. Este princípio da isonomia não se restringe ao casamento; ele se estende com a mesma força à união estável, e seus efeitos são sentidos tanto na esfera pessoal e afetiva (existencial) quanto na divisão de bens e herança (patrimonial).

Fim da Hierarquia: A Revolução Constitucional no Lar

O artigo 226, §5º, da Constituição Federal é o marco dessa transformação. Ele estabelece que “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Essa norma sepultou a figura do “chefe de família” do antigo Código Civil e inaugurou a era do “casal parental” ou da “direção conjunta”. Isso significa que todas as decisões importantes sobre a vida do casal e dos filhos – desde a escolha da escola até a gestão das finanças – devem ser tomadas em conjunto. Qualquer imposição de vontade de um sobre o outro, baseada em uma suposta posição de superioridade, é uma violação direta ao princípio constitucional da igualdade.

Igualdade Existencial: O Respeito Mútuo como Obrigação Legal

A igualdade não se manifesta apenas em direitos, mas também em um conjunto de deveres que formam a dimensão “existencial” da relação. Isso vai muito além da coabitação e da fidelidade. A igualdade existencial impõe a ambos os parceiros o dever de lealdade, respeito à dignidade e à honra do outro, mútua assistência e, principalmente, o compromisso com um projeto de vida em comum. Quando um dos cônjuges ou companheiros viola sistematicamente esses deveres, por exemplo, através de humilhações (violência psicológica) ou da falta de cooperação, ele não está apenas sendo um mau parceiro, mas está descumprindo uma obrigação jurídica que pode, inclusive, gerar o dever de indenizar por danos morais.

Igualdade Patrimonial: Partilha de Bens e a Equiparação das Uniões

Na esfera patrimonial, o princípio da igualdade buscou equiparar o casamento e a união estável. Por padrão, ambos os arranjos, salvo disposição em contrário (através de pacto antenupcial ou contrato de convivência), são regidos pelo regime da comunhão parcial de bens. Isso significa que todos os bens adquiridos onerosamente durante a convivência são considerados fruto do esforço comum do casal e, em caso de dissolução, devem ser partilhados em 50% para cada um, independentemente de quem efetivamente pagou por eles. Essa presunção de esforço comum é uma forma de valorizar o trabalho de ambos, inclusive o trabalho doméstico e o cuidado com os filhos, que também contribuem para a construção do patrimônio familiar.

Direitos Sucessórios: A Decisão do STF que Fez Justiça

Talvez a vitória mais significativa do princípio da igualdade entre cônjuges e companheiros tenha ocorrido na área de sucessões. O Código Civil de 2002 trazia uma regra flagrantemente inconstitucional (art. 1.790), que colocava o companheiro sobrevivente em uma posição muito desvantajosa na herança em comparação ao cônjuge sobrevivente. Em 2017, no julgamento dos Recursos Extraordinários 646.721 e 878.694 (Temas 498 e 809), o STF corrigiu essa injustiça. A Corte declarou o artigo 1.790 inconstitucional e decidiu que, para fins de herança, a união estável e o casamento são absolutamente equivalentes. Isso significa que o companheiro sobrevivente tem exatamente os mesmos direitos sucessórios que o cônjuge, concorrendo com os descendentes ou ascendentes, ou herdando a totalidade dos bens na falta destes. Foi a consolidação final de que, perante a Constituição, não existem famílias de primeira e segunda classe.

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