Quando bem aplicada, a emenda é um instrumento constitucional de justiça distributiva — mas sem critério, reforça desigualdades
O Brasil é um país marcado por profundas desigualdades regionais, tanto econômicas quanto sociais. Municípios do Norte e do Nordeste convivem com índices alarmantes de pobreza, enquanto grandes centros urbanos concentram a maior parte dos investimentos públicos. Nesse cenário, as emendas parlamentares surgem como uma possível ferramenta para promover a justiça distributiva, desde que aplicadas com critérios objetivos, técnicos e transparentes.
Este artigo analisa de forma jurídica e estratégica o papel das emendas parlamentares no combate às desigualdades regionais, destacando suas potencialidades, limitações e os caminhos para uma aplicação mais equânime, com base na Constituição Federal e em decisões dos tribunais superiores.
Emendas parlamentares como instrumento de equidade regional
A Constituição Federal, em seu art. 3º, III, define como objetivo fundamental da República a redução das desigualdades regionais e sociais. Complementarmente, o art. 165, §7º da CF, reforça que a lei orçamentária deve conter programas que promovam o equilíbrio inter-regional.
Dentro desse arcabouço, as emendas parlamentares podem ser vistas como instrumentos capazes de levar recursos a regiões historicamente negligenciadas, financiando obras, serviços públicos e equipamentos essenciais em municípios de baixo IDH.
Quando utilizadas com critérios técnicos e republicanos, as emendas parlamentares atuam como ponte entre o Congresso e a justiça territorial.
A distorção: quando a emenda acentua a desigualdade
Na prática, porém, muitos parlamentares concentram suas emendas em bases eleitorais específicas, ignorando os municípios com maior vulnerabilidade social. O resultado é uma concentração de recursos em regiões já politicamente favorecidas, enquanto localidades carentes continuam invisíveis ao orçamento federal.
Além disso, a ausência de critérios públicos de distribuição das emendas, especialmente nas RP9 (de relator), gerou situações em que municípios com pouca população receberam mais que capitais estaduais, comprometendo a lógica do equilíbrio federativo.
Sem transparência e critério técnico, a emenda deixa de ser instrumento de equidade e passa a ser combustível para o clientelismo.
O que diz o STF sobre a distribuição das emendas?
No julgamento da ADPF 854, o Supremo Tribunal Federal foi categórico ao declarar que a falta de critérios objetivos na distribuição de emendas viola os princípios da isonomia, moralidade e impessoalidade. O STF determinou que:
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A distribuição deve ser transparente;
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Deve haver critérios objetivos e rastreáveis;
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O processo deve observar as necessidades regionais e sociais, especialmente dos municípios mais vulneráveis.
Essa decisão reforça o entendimento de que o orçamento público, inclusive o oriundo de emendas, deve obedecer aos fins constitucionais — e não a interesses eleitorais.
Caminhos para uma distribuição mais justa
Para que as emendas parlamentares cumpram o papel de combater desigualdades regionais, é necessário:
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Mapear a vulnerabilidade social e regional dos municípios com base em dados do IBGE, IPEA, TCU e Ministério da Economia;
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Priorizar emendas para regiões com baixo IDH, alta taxa de pobreza ou defasagem de infraestrutura pública;
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Instituir cotas federais mínimas para regiões historicamente subfinanciadas;
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Vincular a execução das emendas à adesão a indicadores de eficiência e impacto social.
A equidade na aplicação das emendas não se faz com discursos — mas com legislação, planejamento e controle efetivo.
Conclusão: emenda é ferramenta, não privilégio
As emendas parlamentares têm potencial de corrigir desigualdades históricas — mas só o farão se usadas com responsabilidade, técnica e compromisso público. Usadas de forma indiscriminada, podem aprofundar o abismo social entre municípios ricos e pobres.
O futuro do federalismo brasileiro depende de um orçamento público mais justo — e isso começa por democratizar a destinação das emendas parlamentares.