O Impacto da Alienação Parental na Obrigação de Pagar Alimentos: Análise da Jurisprudência Atual

É talvez a situação mais dolorosa e conflituosa do Direito de Família: o pai ou a mãe que, apesar de cumprir rigorosamente com o pagamento da pensão, é sistematicamente impedido de conviver com o filho, sendo alvo de uma campanha de desmoralização e difamação orquestrada pelo outro genitor. Esse processo destrutivo, conhecido como alienação parental, gera no genitor alienado um sentimento de profunda injustiça e a pergunta inevitável: “Por que eu devo continuar pagando, se estão me tirando o direito de ser pai/mãe?”. Embora a dor seja legítima, a resposta da Justiça brasileira é firme e visa a proteger a maior vítima de todo o processo: a criança. A regra geral é que a alienação parental não extingue nem suspende o dever de pagar a pensão alimentícia.
Direitos Distintos, Obrigações Independentes: Visitas vs. Alimentos
O pilar para entender a posição dos tribunais é a compreensão de que o direito de convivência e o dever de pagar alimentos são institutos jurídicos completamente distintos e independentes. Um não pode ser usado como moeda de troca para o outro. A lei proíbe a “autotutela”, ou seja, fazer justiça com as próprias mãos. Assim, da mesma forma que o guardião não pode proibir as visitas porque a pensão está atrasada, o genitor alienado não pode cortar a pensão como forma de retaliação pela dificuldade de convivência. Ambas as condutas são ilegais e prejudiciais à criança. O descumprimento de uma obrigação deve ser resolvido pela via judicial apropriada, e não pelo descumprimento de outra.
A Posição Firme do Judiciário: O Alimento é do Filho, Não do Genitor Alienador
A lógica da Justiça é proteger a parte mais frágil. O titular do direito aos alimentos não é o pai ou a mãe que os administra, mas sim a criança. O dinheiro é destinado ao seu sustento, sua saúde, sua educação e sua dignidade. Portanto, suspender o pagamento da pensão como resposta à alienação parental seria punir a criança duas vezes: primeiro, ela é punida psicologicamente, sendo afastada de um de seus genitores; segundo, ela seria punida materialmente, com a falta de recursos para suas necessidades básicas. Os tribunais, com o STJ à frente, entendem que o ato ilícito do genitor alienador não pode servir de justificativa para o descumprimento do dever fundamental do outro genitor para com o seu filho.
Então, o Genitor Alienado Fica de Mãos Atadas? Não. As Ferramentas Corretas Existem
A lei não deixa o genitor alienado desamparado. Ela apenas exige que ele use as ferramentas corretas para combater o problema. Em vez de suspender a pensão (o que é ilegal), o pai ou mãe que sofre com a alienação deve, com o auxílio de um advogado, tomar as seguintes medidas:
- Ajuizar uma Ação Declaratória de Alienação Parental: Este é o processo específico para reconhecer e combater a prática, previsto na Lei nº 12.318/2010.
- Pedir as Sanções Previstas em Lei: Dentro dessa ação, o juiz pode aplicar uma série de medidas contra o genitor alienador, que vão desde uma advertência formal, passando pela ampliação do regime de convivência em favor do genitor alienado, a estipulação de multa, a determinação de acompanhamento psicológico para as partes e, em casos mais graves e recorrentes, até mesmo a inversão da guarda ou a suspensão da autoridade parental do alienador.
O foco da lei é, portanto, punir o adulto que pratica o ato ilícito, e não a criança.
Uma Distinção Crucial: Multa por Dificultar a Convivência
Em alguns casos, o juiz pode fixar, no processo de regulamentação de visitas, uma multa (chamada de astreintes) para o guardião que descumprir o regime de convivência. É importante notar que essa multa é uma penalidade para o adulto e não se confunde com a pensão alimentícia. O valor da multa reverte em favor do genitor prejudicado, ou, em algumas interpretações, para um fundo da criança, mas não substitui nem permite o desconto da obrigação alimentar.
A alienação parental é uma violência psicológica gravíssima. A dor do genitor afastado é real e reconhecida pela lei. No entanto, a resposta a essa violência não pode ser outra violência — a material —, que atingiria a mesma criança que se busca proteger. O caminho para a justiça é continuar provendo o sustento do filho, enquanto se utilizam as armas legais adequadas e contundentes para combater a alienação, punir o responsável e, o mais importante, restabelecer os preciosos laços de afeto.