O Direito à Felicidade como Fundamento para o Pedido de Divórcio: Uma Perspectiva Jurídica e Filosófica

Por que o divórcio existe? A resposta técnica e fria da lei dirá que é o meio legal para a dissolução do vínculo matrimonial. Mas se cavarmos mais fundo, para além dos códigos e dos processos, encontraremos uma resposta muito mais poderosa e humana. O divórcio existe como uma garantia de um dos mais fundamentais, embora não escrito, direitos de qualquer ser humano: o direito de buscar a própria felicidade. Em sua evolução, o Direito de Família brasileiro tem, cada vez mais, se afastado de uma visão institucional e punitiva do casamento para abraçar a ideia de que nenhuma convenção social pode se sobrepor à dignidade e ao projeto de vida de um indivíduo. O divórcio, nesta ótica, deixa de ser um atestado de fracasso para se tornar a materialização de um direito essencial.

A grande pedra angular dessa visão é o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no artigo 1º da Constituição Federal como o fundamento de toda a República. Este não é um conceito abstrato; ele tem implicações práticas profundas. Manter uma pessoa legalmente acorrentada a um casamento infeliz, a um relacionamento falido que lhe causa sofrimento, angústia e impede seu pleno desenvolvimento como pessoa, é uma violação direta de sua dignidade. O Estado moderno compreendeu que seu papel não é o de forçar a manutenção de famílias a qualquer custo, mas sim o de garantir que os indivíduos tenham a liberdade de buscar arranjos de vida que lhes proporcionem bem-estar e realização pessoal.

Essa mudança filosófica se reflete claramente na evolução da legislação. O sistema antigo, que exigia a comprovação de culpa ou longos prazos de separação, partia do pressuposto de que o casamento era uma instituição mais importante do que as pessoas nele envolvidas. A Emenda Constitucional 66/2010, ao instituir o divórcio direto e incondicional, representou a maior vitória do princípio da autonomia privada no Direito de Família. O Estado, com essa mudança, essencialmente disse aos seus cidadãos: “A decisão de não querer mais estar casado é soberana e pertence exclusivamente a vocês. Não me cabe julgar seus motivos”. A necessidade de buscar a felicidade tornou-se, por si só, o único motivo necessário e legítimo.

Tomar a decisão de se divorciar, especialmente quando se enfrenta o medo do desconhecido e a pressão social, é um ato de profundo auto-respeito. Longe de ser um ato de egoísmo, como alguns ainda podem ver, é um ato de responsabilidade com a própria existência, a recusa em aceitar uma vida de infelicidade ou resignação. É a afirmação corajosa de que se tem o direito de buscar um caminho diferente, uma vida mais autêntica e plena. Para a pessoa que vive em um relacionamento abusivo, por exemplo, o divórcio não é uma opção, é um instrumento de sobrevivência, a única via possível para resgatar sua dignidade, segurança e sanidade.

Muitos se sacrificam sob o argumento de “ficar casado(a) pelos filhos”. Essa é uma premissa perigosa e equivocada. Filhos não prosperam em lares onde reina o silêncio pesado, a hostilidade velada ou a infelicidade palpável dos pais. Crianças são extremamente perceptivas e aprendem sobre amor e relacionamentos observando o modelo que têm em casa. Um lar sem afeto ensina uma lição tóxica sobre o que é uma parceria. Pais que têm a coragem de buscar sua felicidade individual, mesmo que através da separação, têm muito mais condições de serem pais melhores, mais presentes e de oferecer aos filhos um ambiente mais saudável, ainda que em dois lares separados. A busca dos pais pela sua felicidade é, em última instância, um ato em prol da saúde mental de seus próprios filhos. O divórcio, portanto, não é o fim da família. É a sua transformação, em nome de um direito maior: o de viver uma vida que valha a pena ser vivida.

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