O Direito à Convivência Familiar: Por que o Acolhimento de Crianças em Abrigos Deve Ser Breve e Excepcional

O lugar de uma criança é no seio de uma família. Essa afirmação, que parece óbvia e sentimental, é na verdade um dos mais importantes mandamentos do Direito brasileiro. A Constituição Federal, em seu artigo 227, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) consagram o direito à convivência familiar e comunitária como uma prioridade absoluta na vida de toda criança e adolescente. No entanto, milhares de jovens no Brasil vivem em instituições de acolhimento, os chamados abrigos. É crucial compreender que, aos olhos da lei, essa não é uma solução, mas uma medida de emergência. O acolhimento institucional deve ser sempre uma medida excepcional e provisória, utilizada pelo menor tempo possível, enquanto o Estado e a sociedade trabalham incansavelmente para garantir o retorno da criança a um ambiente familiar seguro, seja ele o de origem ou um substituto.

Artigo 227 da Constituição: A Família como Prioridade Absoluta

O artigo 227 da Constituição é a bússola que guia toda a proteção à infância no Brasil. Ele estabelece como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, e, fundamentalmente, à convivência familiar e comunitária. A expressão “absoluta prioridade” significa que, em qualquer ponderação de interesses, o bem-estar da criança vem primeiro. Isso implica que a manutenção de uma criança em um ambiente familiar saudável é mais importante do que qualquer outro interesse, inclusive os do Estado. A família é vista como o espaço ideal e primordial para o desenvolvimento pleno e saudável de um indivíduo, e o Estado tem o dever de protegê-la e fortalecê-la.

Acolhimento Institucional Não é Lar: O que Diz o ECA sobre a Provisoriedade

Quando uma criança é exposta a uma situação de risco grave em seu lar (negligência, violência, abuso), o Estado intervém e, como medida protetiva, pode determinar seu acolhimento em uma instituição. O ECA, no entanto, é enfático ao dizer que essa medida é provisória e excepcional. Um abrigo, por mais bem estruturado que seja, não substitui o afeto individualizado, a sensação de pertencimento e as referências estáveis que só um ambiente familiar pode proporcionar. O objetivo do acolhimento não é ser um depósito de crianças, mas um local seguro de passagem, durante o qual uma equipe técnica (psicólogos, assistentes sociais) deve trabalhar intensamente para viabilizar o retorno da criança a uma família.

Os Prazos da Lei: O Esforço para Reduzir o Tempo de Crianças em Abrigos

A consciência dos danos que a institucionalização prolongada pode causar levou o legislador a criar prazos rígidos para o acolhimento. A Lei nº 13.509/2017 estabeleceu que o tempo máximo de permanência de uma criança em um abrigo não pode ultrapassar 18 meses, salvo em decisão judicial muito bem fundamentada. Além disso, a situação de cada criança acolhida deve ser reavaliada pela Justiça, obrigatoriamente, a cada 3 meses. O objetivo desses prazos é forçar o sistema de proteção a agir com celeridade, buscando prioritariamente a reintegração da criança à sua família de origem (pais, avós, tios). Somente quando essa reintegração se mostra comprovadamente inviável é que a criança será destituída do poder familiar e encaminhada para adoção, para que possa encontrar uma nova família.

Apadrinhamento Afetivo: Uma Ponte para a Vida em Comunidade

Enquanto a solução definitiva não chega, como garantir à criança acolhida o direito à convivência comunitária? Uma das ferramentas mais belas e eficazes é o programa de apadrinhamento afetivo. Regulamentado pelo ECA, o apadrinhamento permite que voluntários da comunidade, após passarem por um cadastro e uma preparação, se tornem “padrinhos” ou “madrinhas” de crianças e adolescentes que vivem em abrigos, especialmente aqueles com chances remotas de adoção (mais velhos, com deficiências ou grupos de irmãos). O padrinho não tem a guarda nem a intenção de adotar, mas ele estabelece um vínculo afetivo, visitando a criança, levando-a para passar fins de semana em sua casa, ajudando nos estudos, apresentando-a a um novo círculo social. É uma ponte vital para o mundo fora dos muros do abrigo, um sopro de afeto e normalidade que faz toda a diferença na vida desses jovens.

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