Meu Filho Adolescente Pode Recusar um Tratamento Médico? O Limite Entre o Poder dos Pais e a Vontade do Jovem

Imagine um adolescente de 16 anos, diagnosticado com uma doença grave, que se recusa a continuar um tratamento médico doloroso e invasivo. Para os pais, cujo instinto e dever legal é proteger a vida do filho a qualquer custo, a situação é um pesadelo. Para o adolescente, que sente no corpo os efeitos do tratamento e busca autonomia, a recusa pode ser um ato de afirmação de sua vontade. Este é um dos dilemas mais angustiantes na fronteira entre o Direito de Família e a Bioética. A lei brasileira, ao mesmo tempo em que consagra o poder familiar como um dever de cuidado, também reconhece a autonomia progressiva da criança e do adolescente, criando um delicado campo de tensão que, em situações-limite, só pode ser resolvido pela Justiça.

O Dever de Cuidar dos Pais vs. a Autonomia Progressiva do Filho

O Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) são claros ao impor aos pais o dever de dirigir a criação e a educação dos filhos, o que inclui, obviamente, zelar por sua saúde. Este é o poder-dever familiar. Contudo, a criança não é uma propriedade dos pais. Ela é um sujeito de direitos, e esses direitos se expandem conforme ela se desenvolve. O princípio da autonomia progressiva significa que, quanto mais idade, maturidade e discernimento uma criança ou adolescente demonstra, mais sua vontade e opinião devem ser levadas em conta nas decisões que afetam sua vida, inclusive as decisões sobre a própria saúde. A opinião de um jovem de 17 anos sobre um tratamento não pode ser tratada da mesma forma que a de uma criança de 7.

A Doutrina do “Adolescente Maduro”: Quando a Vontade do Jovem Ganha Peso

Embora não esteja formalizada em lei no Brasil como em outros países, a “doutrina do adolescente maduro” (mature minor doctrine) influencia cada vez mais as decisões judiciais. Segundo essa doutrina, se um adolescente demonstra ter plena capacidade de compreender seu diagnóstico, as opções de tratamento, os riscos e os benefícios de cada uma, sua recusa a um determinado procedimento médico deve ser considerada com extrema seriedade. Não se trata de dar ao jovem um poder de veto absoluto, mas de reconhecer que sua vontade, quando informada e consciente, é uma expressão de sua dignidade e não pode ser simplesmente ignorada. A análise é sempre feita caso a caso, com o auxílio indispensável de perícias médicas e psicológicas para atestar a maturidade do paciente.

Conflitos Reais: Crenças Religiosas, Tratamentos Invasivos e a Decisão Judicial

Os conflitos mais comuns chegam à Justiça em dois cenários principais. O primeiro envolve crenças religiosas, como o caso de adolescentes Testemunhas de Jeová que, junto com seus pais, recusam transfusões de sangue. O segundo envolve doenças graves ou terminais, onde o adolescente, cansado de tratamentos agressivos e com pouca chance de cura, expressa o desejo por cuidados paliativos e por uma melhor qualidade de vida no tempo que lhe resta. Nesses casos, o conflito está posto: de um lado, o dever dos médicos e o desejo dos pais de preservar a vida; de outro, o direito do jovem paciente de não ser submetido a um tratamento que considera fútil ou uma violação de sua dignidade.

O Papel do Ministério Público e do Juiz na Proteção da Vida e da Dignidade

Quando um impasse dessa magnitude ocorre, o hospital geralmente aciona a Justiça. O Ministério Público, como fiscal da lei e protetor dos interesses dos incapazes, atuará no caso. O juiz, então, terá a difícil missão de ponderar os princípios em jogo. Se houver risco de morte iminente e uma chance real de cura com o tratamento, a tendência da Justiça é autorizar o procedimento, fazendo prevalecer o direito à vida. Contudo, em cenários mais complexos, onde o tratamento é incerto e a vontade do adolescente é firme e bem fundamentada, a decisão se torna mais difícil. O juiz buscará uma solução que harmonize a proteção à vida com o respeito à autonomia e à dignidade do jovem paciente, em uma das decisões mais solitárias e complexas que o Direito pode exigir.

Artigos relacionados

Botão Voltar ao topo