Meu Cachorro, Sua Casa: Como a Justiça Decide a “Guarda” do Pet no Divórcio?

Para milhões de brasileiros, animais de estimação não são apenas animais. São membros da família. Eles participam da rotina, recebem cuidados, oferecem amor incondicional e ocupam um lugar central no coração do lar. O que acontece, então, quando a família humana se desfaz? Com quem fica o pet? Essa é uma pergunta cada vez mais comum nos processos de divórcio, e a resposta do Direito brasileiro está em plena e fascinante evolução. Embora a lei, em sua fria letra, ainda considere os animais como “bens”, o Poder Judiciário, em uma demonstração de sensibilidade e sintonia com a realidade social, tem superado essa visão e aplicado, por analogia, as regras do Direito de Família para decidir sobre a “guarda” e a “convivência” com os pets, tratando-os como verdadeiros sujeitos de afeto.

O Pet é “Coisa” ou “Alguém”? O Status Jurídico em Debate

O Código Civil brasileiro, que é de 2002, classifica os animais como “bens móveis” (mais especificamente, semoventes). Isso significa que, tecnicamente, um cachorro ou um gato teriam o mesmo tratamento jurídico de um sofá ou de um carro na hora da partilha. Essa visão é considerada anacrônica e completamente dissociada da realidade das famílias “multiespécie” do século XXI. Existe uma forte pressão social e de juristas para a alteração do Código Civil, e diversos projetos de lei tramitam no Congresso para criar uma terceira categoria jurídica para os animais, reconhecendo-os como “seres sencientes”, dotados de natureza especial e sujeitos de direitos. Enquanto essa mudança não vem, os juízes têm inovado.

Avanço nos Tribunais: A Aplicação Analógica das Regras de Guarda

Diante da lacuna legislativa, os tribunais brasileiros encontraram uma solução criativa e justa: a aplicação, por analogia, das normas relativas à guarda de filhos. Os juízes entenderam que simplesmente decidir “quem é o dono” do animal, como se fosse um objeto, não resolve a complexidade afetiva da situação. Em vez de discutir a “propriedade”, os processos passaram a debater a “guarda compartilhada”, a “guarda unilateral” e o “direito de convivência” (visitas), utilizando a mesma terminologia e, principalmente, os mesmos princípios que regem a proteção das crianças. O foco da decisão mudou da disputa pela posse para a busca pelo bem-estar do animal e pela proteção dos laços de afeto.

Critérios para a Decisão: O Vínculo Afetivo e o Bem-Estar do Animal

Mas como um juiz decide com quem o pet vai “morar”? Ele não pode perguntar ao cachorro. Portanto, ele se baseia em um conjunto de provas e critérios, muito similar ao que faria em uma disputa de guarda de uma criança pequena. O magistrado buscará responder às seguintes perguntas:

  • Quem tem o vínculo afetivo mais forte? Provas como fotos, vídeos e testemunhas são usadas para demonstrar quem era o principal cuidador e companheiro do animal.
  • Quem tem as melhores condições de cuidado? Analisa-se quem tem mais tempo disponível, espaço adequado e condições financeiras para arcar com as necessidades do pet.
  • Onde o bem-estar do animal será melhor atendido? O juiz busca evitar mudanças bruscas na rotina do animal, priorizando o ambiente que lhe traga maior estabilidade e segurança.

Com base nessas respostas, o juiz pode fixar uma guarda unilateral para um dos ex-cônjuges, com direito de visitas para o outro, ou até mesmo uma guarda compartilhada, onde as decisões e o tempo de convivência são divididos.

E a “Pensão Alimentícia” para o Pet? A Divisão das Despesas

A evolução não parou na guarda. Se a responsabilidade pelo cuidado é de ambos, as despesas também deveriam ser? A resposta dos tribunais tem sido “sim”. Já existem inúmeras decisões no país fixando uma verdadeira “pensão alimentícia” para o pet, ou, mais tecnicamente, uma “ajuda de custo”. O ex-cônjuge que não fica com a residência principal do animal pode ser condenado a pagar, mensalmente, um valor para ajudar a cobrir os custos com ração, veterinário, vacinas, banho e tosa. É o reconhecimento de que o dever de solidariedade e responsabilidade com o ser que foi acolhido pela família durante a relação não se extingue com o divórcio. É o Direito se adaptando para proteger todas as formas de amor.

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