“Manutenção Não Programada”: A Desculpa das Companhias Aéreas e Como Ela Afeta seu Direito à Indenização

“Senhores passageiros, informamos que nosso voo sofrerá um atraso devido a uma manutenção não programada na aeronave. Agradecemos a compreensão.” Essa frase, ouvida diariamente em aeroportos por todo o Brasil, soa técnica e responsável, quase como um escudo de legitimidade para a companhia aérea. Muitos passageiros, ao ouvi-la, resignam-se, acreditando se tratar de um imprevisto inevitável, um “caso fortuito” que isentaria a empresa de qualquer responsabilidade. Mas será mesmo? A verdade jurídica é muito mais protetora ao consumidor. Entender o que realmente significa “manutenção não programada” é o primeiro passo para não abrir mão dos seus direitos.
O Argumento da Segurança: Uma Faca de Dois Gumes
A primeira reação ao ouvir sobre um problema técnico na aeronave é de alívio por não estar voando em uma máquina insegura. As companhias aéreas contam com essa reação. Elas invocam o argumento da segurança como prioridade máxima, o que é correto. Contudo, elas o utilizam de forma estratégica para justificar a falha na prestação do serviço e se esquivar do dever de indenizar. O que o passageiro precisa saber é que a manutenção de uma frota de aeronaves não é um evento imprevisível. A manutenção, seja ela preventiva ou corretiva, faz parte intrínseca da atividade empresarial da companhia aérea. É um risco inerente ao negócio, e os riscos do negócio não podem, por lei, ser transferidos ao consumidor.
Fortuito Interno x Fortuito Externo: A Chave da Responsabilidade
O Direito brasileiro faz uma distinção crucial que define de quem é a culpa: a diferença entre fortuito interno e fortuito externo. O fortuito externo é um evento verdadeiramente imprevisível e inevitável, sobre o qual a empresa não tem nenhum controle, como uma ordem de fechamento do espaço aéreo por autoridades, uma tempestade de proporções inéditas ou um ato de terrorismo. Nesses raros casos, a responsabilidade da empresa pode ser, de fato, afastada. Já o fortuito interno é um evento que, embora inesperado, está diretamente ligado à atividade principal da empresa. A necessidade de trocar uma peça, um pneu, ou corrigir uma falha no sistema elétrico da aeronave é classificada pela justiça brasileira como fortuito interno. Ou seja, é um problema da empresa, que deveria ter um plano de contingência e aeronaves em perfeito estado para operar.
O Que os Tribunais Dizem Sobre a “Manutenção Não Programada”
A jurisprudência dos tribunais brasileiros, incluindo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), é pacífica e consolidada a favor do consumidor neste ponto. A alegação de “manutenção não programada” para justificar atrasos e cancelamentos não é aceita como um motivo de força maior que isente a companhia do dever de prestar assistência e indenizar. Os juízes entendem que zelar pelo bom estado de funcionamento de suas aeronaves é uma obrigação primária da transportadora. A falha de uma peça ou a necessidade de um reparo de última hora é um problema de gestão e operação da empresa, e o ônus desse problema não pode recair sobre os ombros do passageiro que cumpriu sua parte no contrato: pagou pela passagem.
Como Agir Diante da Justificativa: Não Aceite e Documente
Ao receber a notícia do atraso por “manutenção”, sua postura deve mudar. Em vez de aceitação passiva, adote uma postura ativa. Primeiramente, saiba que todos os seus direitos à assistência material (alimentação, hospedagem, etc.) e à reacomodação ou reembolso estão 100% mantidos. Segundo, comece a documentar. Se possível, peça ao funcionário da companhia uma declaração por escrito (chamada de declaração de contingência ou de atraso) informando o motivo do atraso. Muitas vezes, eles se recusam, mas a tentativa já demonstra sua diligência. Tire fotos do painel, anote o número do voo e o horário dos avisos. Essa documentação será vital para contra-argumentar em uma eventual ação judicial, caso a empresa insista na tese do “imprevisto inevitável”.
A “manutenção não programada” deixou de ser um álibi para as companhias aéreas e se tornou, na prática, uma confissão de falha operacional. Quando uma empresa utiliza essa justificativa, ela está, na verdade, admitindo um problema interno que é de sua inteira responsabilidade. Para o passageiro informado, essa desculpa não encerra a conversa; pelo contrário, é o ponto de partida para exigir todos os direitos garantidos por lei, desde o amparo material imediato até a justa compensação financeira pelo transtorno causado.