LGPD na Família: Seu Cônjuge Pode Expor Seus Dados Pessoais? Entenda os Limites

Vivemos em uma era de compartilhamento constante. Nossas fotos, nossa localização, nossas opiniões e até mesmo nossos dados financeiros circulam em redes e aplicativos. Quando estamos em um relacionamento, essa troca de informações se intensifica. O parceiro tem acesso a senhas, a fotos íntimas, a conversas privadas. Mas o que acontece quando a relação termina e um dos lados resolve usar esse “estoque” de dados como arma? A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que revolucionou a relação entre empresas e consumidores, também lança uma nova luz sobre os deveres de privacidade no âmbito familiar. Embora a LGPD tenha uma exceção para o uso de dados para fins particulares, essa exceção não é um cheque em branco para o abuso, e a exposição deliberada de dados do parceiro é um ato ilícito grave, que viola a Constituição e pode gerar pesadas consequências.

A LGPD se Aplica a Brigas de Casal? Onde Termina o Privado?

A LGPD (Lei 13.709/2018) estabelece em seu artigo 4º que ela não se aplica ao tratamento de dados pessoais realizado por pessoa natural para fins exclusivamente particulares e não econômicos. À primeira vista, isso excluiria as relações familiares. Contudo, essa interpretação é limitada. O espírito da LGPD, que é a proteção da privacidade e da autodeterminação informativa, deriva diretamente de direitos fundamentais garantidos pela Constituição (art. 5º, X e XII). Portanto, mesmo que a lei em si não seja aplicada em sua totalidade, seus princípios servem como um guia para definir o que é uma conduta aceitável ou abusiva. A exceção do “uso particular” termina exatamente onde começa o dano e a exposição pública. Divulgar dados de um ex-parceiro claramente extrapola o “uso exclusivamente particular”.

O “Estoque” de Dados da Vida a Dois: Fotos, Finanças e Informações Sensíveis

Ao longo de um relacionamento, acumula-se um verdadeiro banco de dados sobre o outro. Isso inclui:

  • Dados Pessoais Comuns: Nome, CPF, endereço, telefone.
  • Dados Financeiros: Acesso a contas bancárias, conhecimento de salários e dívidas.
  • Dados de Comunicação: Históricos de conversas privadas em WhatsApp, Telegram, etc.
  • Dados Sensíveis: Informações sobre saúde (doenças, tratamentos, laudos médicos), orientação sexual, filiação a sindicato, dados genéticos e, principalmente, fotos e vídeos íntimos.

Esse acervo de informações é confiado ao parceiro com base na confiança e na intimidade da relação. Usá-lo como forma de ataque após o término é uma quebra de confiança qualificada, que o Direito protege.

Exposição de Dados como Violência: “Revenge Porn” e “Doxing”

A exposição de dados no contexto familiar pode assumir formas de violência digital gravíssimas. As duas mais conhecidas são:

  • Pornografia de Vingança (Revenge Porn): A divulgação não autorizada de fotos ou vídeos íntimos do(a) ex-parceiro(a). Esta conduta, além de gerar o dever de indenizar por danos morais, é crime específico, previsto no artigo 218-C do Código Penal, com pena de reclusão de 1 a 5 anos.
  • Doxing: A exposição pública e coordenada de dados pessoais da vítima (telefone, endereço, CPF, local de trabalho) com o intuito de incitar o ódio, a perseguição e o assédio por parte de terceiros. Esta prática também é crime (art. 154-B do Código Penal) e uma forma cruel de violência psicológica.

Nesses casos, não há qualquer dúvida: a conduta ultrapassa a esfera privada e se torna um problema de segurança pública e de direito penal, além de familiar.

Princípios da LGPD como Guia de Convivência Digital

Mesmo que a LGPD não seja aplicada formalmente no dia a dia do casal, seus princípios podem servir como um excelente guia para uma “etiqueta digital” saudável. Pensar em termos de consentimento, finalidade e necessidade pode ajudar a construir limites. Eu tenho o consentimento do meu parceiro para postar essa foto? Com qual finalidade estou guardando essa informação? É realmente necessário ter acesso a todas as senhas? Adotar uma cultura de respeito mútuo aos dados pessoais durante a relação é a melhor forma de prevenir que eles se tornem armas em um eventual término. É um reflexo de maturidade e respeito à individualidade e à privacidade do outro, pilares de qualquer relacionamento digno no século XXI.

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