Quando a emenda se torna estratégia de campanha: os riscos jurídicos e eleitorais para o parlamentar
O uso das emendas parlamentares como ferramenta de barganha eleitoral tornou-se prática recorrente — e preocupante — no cenário político brasileiro. Embora legalmente previstas, as emendas não podem ser utilizadas como moeda de troca política ou instrumento de promoção pessoal durante o período eleitoral, sob pena de configurar abuso de poder político, uma das causas mais severas de inelegibilidade.
Este artigo detalha como o uso irregular de emendas parlamentares pode ser enquadrado como abuso de poder político, quais os parâmetros da Justiça Eleitoral e as possíveis sanções aplicáveis aos agentes públicos e políticos envolvidos.
O que caracteriza o abuso de poder político?
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o abuso de poder político ocorre quando o agente público, valendo-se da sua função, interfere na normalidade e legitimidade das eleições, utilizando a máquina pública para obter vantagem eleitoral.
Quando aplicado ao contexto das emendas, o abuso se manifesta quando:
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O parlamentar usa a distribuição de emendas como promessa de benefícios em troca de apoio eleitoral;
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Vincula seu nome diretamente às benfeitorias realizadas com verbas públicas, em período próximo das eleições;
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Direciona recursos a prefeituras ou entidades em troca de palanque político, apoio partidário ou cabos eleitorais.
A emenda, nesse caso, deixa de ser instrumento de política pública e passa a ser ferramenta de manipulação do processo eleitoral.
Casos reais e jurisprudência do TSE
Em 2020, o TSE julgou procedente uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) contra um deputado estadual que direcionou emendas para municípios onde apoiava candidatos a prefeito e vereadores, prometendo continuar os repasses após a eleição. O tribunal entendeu que havia desequilíbrio na disputa e uso da função pública para fins eleitorais, declarando a inelegibilidade do parlamentar por oito anos.
Em outro caso, um senador teve suas redes sociais periciadas após postagens vinculando sua atuação em emendas ao voto da população. A Justiça Eleitoral entendeu que a conduta configurou propaganda eleitoral antecipada com abuso de poder político.
A jurisprudência é clara: a destinação de recursos públicos com viés eleitoral fere os princípios da moralidade e da igualdade de oportunidades.
Base legal e consequências jurídicas
A Lei Complementar nº 64/1990 (Lei de Inelegibilidade), art. 22, estabelece que:
“Será declarada inelegível, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, a contar da eleição em que se verificou o abuso, a autoridade que usar de forma indevida os meios de comunicação ou o poder político.”
As consequências do abuso de poder político incluem:
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Cassação do registro ou diploma do parlamentar;
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Inelegibilidade por 8 anos;
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Ações cíveis por improbidade administrativa, caso haja desvio de finalidade no uso das verbas;
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A depender do caso, ação penal por corrupção eleitoral ou peculato.
Como evitar a instrumentalização indevida das emendas?
Para que o uso das emendas seja ético e jurídico, os parlamentares e assessorias devem:
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Evitar prometer ou vincular a continuidade de emendas ao apoio eleitoral;
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Manter distanciamento institucional entre o parlamentar e a execução dos recursos;
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Divulgar a destinação de verbas sem linguagem eleitoreira ou personalizada;
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Respeitar os prazos de vedação legal à execução de convênios e transferências no ano eleitoral (Lei 9.504/97, art. 73, VI, b);
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Atuar com transparência e impessoalidade, permitindo o controle social sobre as indicações.
Prevenir o uso indevido das emendas é proteger a integridade do processo democrático.
Conclusão: a linha entre o legal e o ilícito
A função das emendas parlamentares é atender ao interesse público regionalizado, e não ser uma ferramenta de autopromoção política. Quando utilizadas para obter vantagem eleitoral, elas representam uma grave afronta à legitimidade das eleições.
A instrumentalização das emendas é uma das formas mais sofisticadas de abuso de poder político — e a Justiça Eleitoral está cada vez mais atenta a essas práticas.