O home office, ou teletrabalho, consolidou-se como uma modalidade de trabalho para muitas categorias, oferecendo flexibilidade e autonomia. Contudo, essa transição também trouxe à tona uma série de desafios, sendo a ergonomia e a saúde do trabalhador remoto um dos mais críticos. Trabalhar por horas em uma mesa de jantar improvisada, numa cadeira desconfortável, com iluminação inadequada e sem as pausas necessárias pode levar a sérios problemas de saúde. Surge, então, a pergunta fundamental: de quem é a responsabilidade por garantir condições ergonômicas e seguras no home office? Do empregador ou do empregado? A resposta envolve uma análise cuidadosa da legislação recente e das obrigações de ambas as partes.
A legislação brasileira buscou endereçar essa questão. A Lei nº 14.442/2022 promoveu alterações significativas na CLT, especificamente nos artigos que tratam do teletrabalho (Art. 75-A a 75-F). Um ponto nevrálgico é o Artigo 75-E, que estabelece: “O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho”. O parágrafo único deste artigo complementa que “O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador”. Isso significa que a responsabilidade primária do empregador no home office é a de ORIENTAR e INSTRUIR o trabalhador sobre os riscos (incluindo ergonômicos) e as medidas preventivas. A assinatura do termo pelo empregado confirma o recebimento dessas instruções e seu compromisso em segui-las. No entanto, isso NÃO elimina a responsabilidade geral do empregador pela saúde e segurança de seus empregados, conforme preceitua a Constituição e a própria CLT, apenas a adapta à realidade do trabalho remoto, onde o controle direto sobre o ambiente físico é limitado. A NR-17 (Ergonomia) também continua aplicável, adaptada às circunstâncias do teletrabalho.
Os desafios ergonômicos no home office são inúmeros e bem conhecidos: mobiliário inadequado levando a posturas incorretas por longos períodos, iluminação deficiente forçando a visão, ventilação inadequada, e a dificuldade em separar a vida pessoal da profissional, resultando em jornadas excessivas e ausência de pausas regulares, o que agrava os riscos musculoesqueléticos e também os riscos psicossociais (isolamento, ansiedade, estresse pela dificuldade de desconexão). A empresa, mesmo sem poder fiscalizar diretamente a casa do empregado, precisa fornecer diretrizes claras sobre como montar um posto de trabalho minimamente adequado, como gerenciar o tempo e a importância das pausas.
O que se espera do empregador na prática? A lei foca na instrução, mas para que essa instrução seja eficaz e para que a empresa mitigue seus riscos legais, algumas ações são altamente recomendadas:
- Material Educativo: Fornecer manuais, cartilhas, vídeos ou guias ilustrados sobre ergonomia em home office, abordando postura, mobiliário ideal (mesmo que não fornecido), organização do espaço, iluminação, pausas ativas, etc.
- Treinamentos Online: Realizar workshops ou treinamentos virtuais sobre o tema.
- Checklists de Autoavaliação: Disponibilizar ferramentas para que o próprio empregado possa avaliar seu posto de trabalho e identificar pontos de melhoria.
- Canais de Suporte: Oferecer acesso a profissionais (ergonomistas, técnicos de segurança, médicos do trabalho) para tirar dúvidas.
- Política de Ajuda de Custo (Negociada): Embora a lei não obrigue o fornecimento de mobiliário ou o reembolso de despesas (salvo disposição em acordo individual ou coletivo – Art. 75-D CLT), oferecer uma ajuda de custo para aquisição de cadeira ou suporte adequados é uma excelente prática que demonstra cuidado e reduz riscos.
- Gestão de Jornada e Desconexão: Implementar políticas claras sobre horários de trabalho, pausas obrigatórias e o direito à desconexão, mesmo no trabalho remoto.
- Inclusão no PGR/PCMSO: Os riscos associados ao teletrabalho devem ser considerados no PGR da empresa, e o PCMSO deve abranger os trabalhadores remotos, adaptando os exames e orientações à sua realidade. Um exemplo positivo: uma empresa que, além de fornecer um guia completo, oferece um voucher para compra de uma cadeira certificada e realiza acompanhamento periódico via teleorientação sobre bem-estar no home office.
A responsabilidade, portanto, torna-se compartilhada. A empresa tem o dever de instruir ostensivamente e fornecer os meios para essa instrução. O empregado, por sua vez, tem o dever (formalizado no termo de responsabilidade) de seguir as orientações recebidas. Contudo, se um trabalhador remoto desenvolver uma LER/DORT ou outro problema de saúde, e ficar comprovado que a causa foi a falta de condições ergonômicas E que a empresa falhou em sua obrigação de instruir adequadamente ou impôs uma carga de trabalho excessiva e sem pausas, a empresa PODERÁ ser responsabilizada judicialmente. A prova do nexo causal e da culpa pode ser mais complexa do que no trabalho presencial, mas a jurisprudência começa a se formar nesse sentido. A simples existência do termo de responsabilidade assinado não é um escudo absoluto para a empresa se a instrução foi genérica, superficial ou inexistente.
Garantir um home office produtivo e saudável requer um esforço conjunto. Trabalhador remoto: leve a sério as orientações ergonômicas, adapte seu espaço da melhor forma possível, respeite as pausas e comunique à empresa qualquer dificuldade ou sintoma. Sua saúde depende também da sua disciplina. Empresa: vá além da mera formalidade do Art. 75-E. Invista em orientação de qualidade, seja flexível na negociação de ajudas de custo e promova uma cultura de bem-estar que inclua o direito à desconexão. Se existem dúvidas sobre as responsabilidades e os limites legais da ergonomia no teletrabalho, seja do ponto de vista do empregado ou do empregador, buscar assessoria jurídica especializada é o caminho mais seguro. Definir regras claras em contrato ou acordo coletivo e investir em prevenção é a melhor forma de evitar conflitos, proteger a saúde e garantir a sustentabilidade dessa modalidade de trabalho. O escritório mudou de endereço, mas o dever de cuidar da saúde no trabalho permanece.