Guarda e Convivência em Casos de Multiparentalidade (Mais de um Pai ou Mãe no Registro)

O conceito de família vem se transformando a uma velocidade impressionante, e o Direito tem corrido para acompanhar. Uma das mais fascinantes e complexas dessas novas realidades é a multiparentalidade, o reconhecimento jurídico da existência de mais de dois pais – por exemplo, uma mãe biológica, um pai biológico e um pai socioafetivo – no registro de nascimento de uma criança. Em 2016, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou a tese de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseado na origem biológica”. Essa decisão histórica abriu as portas para um novo universo de arranjos familiares e, consequentemente, para novos desafios na definição da guarda e da convivência.

Com três ou mais pais legalmente reconhecidos, a pergunta que surge é: como se organiza a guarda compartilhada? Se o compartilhamento entre dois já é complexo, como funciona entre três? A resposta é que todos os princípios da guarda compartilhada se aplicam, mas de forma ampliada e ainda mais focada na cooperação. Todos os pais e mães que constam no registro de nascimento detêm, em igual medida, o poder familiar. Isso significa que todas as decisões importantes sobre a vida da criança – saúde, educação, religião – devem ser tomadas em conjunto pelos três (ou mais) genitores. A carga mental e a responsabilidade, que antes eram divididas por dois, agora são compartilhadas por um coletivo parental.

A organização da convivência em um cenário multiparental exige um nível ainda maior de criatividade, flexibilidade e maturidade. Não existe uma fórmula matemática. O arranjo precisa ser construído de forma artesanal, sempre tendo como centro a estabilidade e o bem-estar da criança. Algumas possibilidades incluem:

  • Residência de Referência Única: A criança pode ter uma casa-base (por exemplo, a da mãe) e os outros dois pais estabelecem um regime de convivência amplo e rotineiro, participando ativamente do dia a dia, buscando na escola, ajudando nas tarefas e com pernoites regulares.
  • Múltiplos Lares: Em casos de extrema cooperação e proximidade geográfica, é teoricamente possível que a criança transite entre mais de duas casas, embora isso exija uma logística impecável para não sobrecarregar o filho.
  • Modelos Híbridos: A convivência pode ser organizada em blocos, com a criança passando uma semana na casa de um núcleo parental (mãe e pai socioafetivo, por exemplo) e a semana seguinte com o pai biológico.

A questão da pensão alimentícia também se torna multipolar. Todos os genitores têm o dever de sustento, na proporção de seus recursos. A fixação dos alimentos levará em conta as necessidades da criança e as possibilidades de cada um dos três (ou mais) pais. O cálculo se torna mais complexo, mas o princípio da responsabilidade solidária permanece. Por exemplo, se a criança precisa de R$ 3.000,00 por mês para seu sustento e os pais têm rendas diferentes, o juiz pode fixar que a mãe contribua com R$ 1.000,00, o pai biológico com R$ 1.200,00 e o pai socioafetivo com R$ 800,00, de acordo com a análise do binômio necessidade-possibilidade de cada um.

A multiparentalidade é a prova de que o Direito está cada vez mais focado na realidade dos afetos do que na rigidez da biologia. Ela representa um desafio, pois exige uma capacidade de diálogo e cooperação elevada à enésima potência. Contudo, para a criança, ela pode representar um benefício imenso: uma rede de amor, cuidado e suporte ampliada. O sucesso desse arranjo não depende de uma fórmula jurídica mágica, mas da capacidade de todos os pais e mães envolvidos de compreenderem que, independentemente da origem do vínculo, eles formam um time cuja única missão é garantir a felicidade e o desenvolvimento pleno do filho que têm em comum.

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