“Guarda” de Animais de Estimação (Pets) no Divórcio: Como os Tribunais Têm Decidido?

O cão que foi comprado junto no início do namoro. O gato que foi adotado para fazer companhia ao casal. Para milhões de brasileiros, animais de estimação não são apenas “bichos”, são membros da família. Quando o casal se separa, a dor da perda do convívio com o pet pode ser tão real quanto a de outras perdas. Isso levanta uma questão cada vez mais comum nos tribunais: com quem fica o animal? E o outro, tem direito de “visitar”? A resposta para essa pergunta está em uma área cinzenta e fascinante do Direito, que vem evoluindo para além da letra fria da lei.
Do ponto de vista estritamente legal, o Código Civil brasileiro ainda classifica os animais como “bens móveis”. Isso significa que, em tese, um animal de estimação seria tratado na partilha do divórcio da mesma forma que um carro ou um sofá: ele pertenceria a quem o comprou (propriedade exclusiva) ou seria partilhado (vendido e o valor dividido, ou um compensa o outro financeiramente). Contudo, o Poder Judiciário, especialmente o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tem reconhecido que essa visão é completamente inadequada para a realidade afetiva das famílias multiespécie. Os juízes têm entendido que, pela sua natureza de seres sencientes (capazes de sentir dor, alegria, saudade), os pets não podem ser tratados como meros objetos.
Diante dessa lacuna na lei, os magistrados têm tomado um caminho inovador: aplicar, por analogia, as regras do Direito de Família relativas à guarda e à convivência de filhos. Embora os termos técnicos sejam diferentes (não se fala em “guarda”, mas em “posse responsável” ou “custódia”, e não em “visitas”, mas em “direito de convivência”), a lógica aplicada é a mesma. O foco da decisão deixa de ser a “propriedade” do animal e passa a ser a busca pela solução que melhor atenda ao bem-estar do pet e, principalmente, que minimize o sofrimento afetivo dos humanos envolvidos.
Ao decidir com quem o animal de estimação irá “residir”, o juiz levará em conta uma série de fatores, muito semelhantes aos de uma disputa de guarda de criança:
- Quem tinha o maior vínculo afetivo e prestava os cuidados principais ao animal durante a relação (levava ao veterinário, passeava, alimentava)?
- Qual dos ex-cônjuges tem melhores condições de espaço e de tempo para cuidar do animal após a separação?
- Se houver filhos crianças ou adolescentes, a presença do animal pode ser importante para amenizar o sofrimento deles com o divórcio, sendo um fator de peso para que o pet permaneça na casa onde a criança terá sua residência de referência.
Talvez a evolução mais significativa seja a fixação de um “regime de convivência” (visitas) para o genitor que não ficou com a custódia do animal. O STJ já proferiu decisões emblemáticas garantindo a um dos ex-cônjuges o direito de visitar o animal de estimação em finais de semana alternados, por exemplo. Além disso, também é cada vez mais comum a fixação de uma “ajuda de custo” ou “pensão” para o pet, onde o ex-parceiro que não ficou com o animal contribui mensalmente com um valor para ajudar a cobrir as despesas com ração, veterinário e outros cuidados.
Essa humanização do tratamento jurídico dos animais de estimação no divórcio é uma tendência que veio para ficar. Ela reflete uma mudança de consciência da sociedade e a sensibilidade do Judiciário em entender que o afeto não se restringe às relações entre humanos. Portanto, se você está passando por uma separação e o destino do seu pet é uma fonte de angústia, saiba que há, sim, caminhos legais para garantir que o vínculo de amor e convivência possa ser preservado, buscando sempre a solução mais equilibrada e menos dolorosa para todos os membros da família, sejam eles de duas ou de quatro patas.