Guarda Compartilhada e Pensão Alimentícia: Por Que a Obrigação de Pagar Continua Existindo?

Uma das confusões mais persistentes e perigosas no Direito de Família é a crença de que a guarda compartilhada extingue ou reduz automaticamente a obrigação de pagar pensão alimentícia. O raciocínio equivocado é: “Se agora eu divido o tempo e as decisões sobre meu filho, por que ainda preciso pagar pensão para a outra parte?”. Essa interpretação, embora pareça lógica para alguns, ignora a natureza e o propósito fundamental tanto da guarda quanto dos alimentos. A regra no Brasil é clara: guarda compartilhada e pensão alimentícia são institutos independentes e, na imensa maioria dos casos, a obrigação de pagar alimentos permanece, sim.

Desmistificando os Conceitos: Guarda vs. Alimentos

Para entender por que uma coisa não anula a outra, é preciso definir claramente cada conceito:

  • Guarda Compartilhada: Refere-se à divisão de responsabilidades e ao exercício conjunto dos direitos e deveres dos pais em relação à vida dos filhos. Envolve tomar decisões importantes em conjunto (escola, saúde, etc.) e, idealmente, uma convivência equilibrada da criança com ambos os genitores. A Lei nº 13.058/2014 estabeleceu a guarda compartilhada como a regra no Brasil, mesmo quando não há acordo entre os pais.
  • Pensão Alimentícia: Refere-se à contribuição financeira para o sustento do filho, destinada a cobrir todas as suas necessidades, como alimentação, moradia, saúde, educação, vestuário e lazer. O objetivo da pensão é garantir que a criança mantenha um padrão de vida compatível com as possibilidades de seus pais.

A guarda trata da convivência e das decisões. A pensão trata do custeio financeiro da vida da criança. São coisas diferentes que se complementam.

O Princípio do Melhor Interesse e o Binômio Necessidade-Possibilidade

A fixação da pensão alimentícia é sempre guiada por um pilar jurídico chamado binômio (ou trinômio) necessidade-possibilidade-proporcionalidade. O juiz analisa:

  1. Necessidade: Quais são os custos mensais para o sustento da criança?
  2. Possibilidade: Qual a capacidade financeira de cada um dos pais para arcar com esses custos?
  3. Proporcionalidade: A contribuição de cada um deve ser proporcional aos seus ganhos.

É aqui que a lógica de “dividir as contas” na guarda compartilhada encontra a realidade. Raramente os pais possuem capacidades financeiras idênticas. Quase sempre, um dos genitores tem uma renda superior à do outro. Para equilibrar essa balança e garantir que a criança não sofra uma queda em seu padrão de vida a depender da casa em que estiver, aquele que tem maiores possibilidades financeiras deverá contribuir com um valor em dinheiro para o genitor que tem a menor capacidade e que, geralmente, arca com a maior parte das despesas fixas da criança (moradia principal, por exemplo).

A Residência Base e a Administração das Despesas

Mesmo na guarda compartilhada, a criança geralmente tem uma residência base, ou seja, a casa onde ela passa a maior parte do tempo e que serve como sua referência de lar. O genitor que vive nesta casa (chamado de guardião de referência) naturalmente concentra a maior parte dos gastos diários e fixos: a conta de luz que aumenta, a despesa de supermercado, o material escolar, a maior parte das roupas, etc. A pensão alimentícia, portanto, serve para que o outro genitor contribua financeiramente para essa administração centralizada das despesas da criança, garantindo que o guardião de referência não fique sobrecarregado e que as necessidades do filho sejam supridas.

A guarda compartilhada não significa que todas as despesas serão divididas “meio a meio” de forma matemática. Significa que ambos os pais são responsáveis, mas a contribuição financeira será ajustada às possibilidades de cada um para atender às necessidades da criança. A pensão é a ferramenta que a lei utiliza para materializar essa responsabilidade de forma justa e equilibrada. Desvincular-se dessa obrigação com base em uma interpretação equivocada da guarda compartilhada é um erro que pode levar a sérias consequências legais, incluindo a execução de dívidas e até mesmo a prisão.

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