Guarda Compartilhada e a Primeira Infância: Qual o Melhor Arranjo para Crianças de 0 a 6 Anos?

A decisão pela guarda compartilhada para um filho pequeno, especialmente um bebê, é um dos momentos mais angustiantes para pais que se separam. Em meio a um turbilhão de emoções, surge a dúvida que ecoa em consultórios de psicologia e corredores de fóruns: “É saudável para meu filho de 2 anos dormir fora de casa? Como a separação física impactará um bebê que ainda mama no peito?”. Este não é um medo infundado. A primeira infância, que compreende o período de 0 a 6 anos, é a fase mais crítica para a formação de vínculos afetivos e para o desenvolvimento neurológico. Ignorar as necessidades específicas dessa idade em nome de uma divisão de tempo matematicamente igualitária pode ser prejudicial. Portanto, a resposta não está em uma fórmula única, mas na construção de um arranjo que priorize a ciência do desenvolvimento infantil.
O princípio norteador, tanto para a psicologia quanto para o direito de família moderno, é o do melhor interesse da criança. Na primeira infância, esse interesse se traduz em duas palavras-chave: rotina e previsibilidade. Bebês e crianças pequenas não compreendem o calendário ou as horas. Para eles, o mundo é um fluxo de sensações, e a segurança emocional vem da repetição consistente dos cuidados: a mesma hora para o banho, a mesma canção de ninar, a presença constante de suas figuras de apego. Psicólogos, com base na Teoria do Apego de John Bowlby, afirmam que a criança precisa de uma “base segura” para explorar o mundo. Mudanças abruptas e constantes de ambiente, cuidadores e rotinas podem gerar estresse e insegurança, impactando o sono, a alimentação e o humor da criança.
Diante disso, o arranjo de guarda compartilhada mais recomendado para a primeira infância é o progressivo e adaptativo. Ele deve evoluir conforme a criança cresce e demonstra capacidade de lidar com as transições. Uma proposta prática e alinhada às fases do desenvolvimento seria:
- De 0 a 12/18 meses: Nesta fase, a prioridade é a construção de vínculo com ambos os genitores, sem longas separações da figura de apego primária (geralmente a mãe, especialmente em casos de amamentação). O ideal são convivências frequentes e de curta duração na casa do genitor não residente ou em ambientes neutros. Em vez de pernoites, o outro genitor pode ter um contato diário ou em dias alternados por algumas horas, participando ativamente dos cuidados como dar banho, alimentar (com leite previamente extraído, se for o caso) e fazer o bebê dormir para uma soneca. A qualidade e a frequência do contato são mais importantes que a duração ininterrupta.
- De 18 meses a 3 anos: A criança já começa a ter uma melhor compreensão da permanência dos pais, mesmo quando não estão visíveis. Aqui, os pernoites podem ser introduzidos de forma gradual e cuidadosa. Começa-se com um pernoite por semana, observando atentamente as reações da criança. Se a adaptação for positiva, sem grandes retrocessos no comportamento ou no sono, a frequência pode ser lentamente aumentada. A comunicação entre os pais sobre a rotina da criança (horários de sono, alimentação, objetos de transição como um bicho de pelúcia) é absolutamente crucial para o sucesso dessa fase.
- De 4 a 6 anos: Com maior autonomia e capacidade cognitiva, a criança já pode lidar com arranjos mais equilibrados, como o modelo 2-2-3 (dois dias em uma casa, dois na outra, e três no fim de semana, alternando a cada semana). Mesmo aqui, a manutenção de rotinas semelhantes em ambas as casas (horário de dormir, regras de tela, etc.) oferece a estabilidade de que a criança ainda necessita.
É vital desmistificar a ideia de que a ausência de pernoites nos primeiros meses significa uma menor participação ou importância de um dos genitores. Pelo contrário, a guarda compartilhada na primeira infância se manifesta na divisão de todas as responsabilidades e decisões, não apenas na divisão física do tempo da criança. O pai que busca o filho na creche todos os dias e passa três horas com ele antes de levá-lo para a casa da mãe está exercendo a parentalidade de forma tão ou mais intensa do que aquele que apenas tem o filho para o pernoite no fim de semana.
Portanto, a construção do melhor arranjo exige que os pais deixem de lado a disputa por “tempo igualitário” e se concentrem no que é psicologicamente saudável para o filho. Isso requer diálogo, flexibilidade e, muitas vezes, a orientação de um mediador familiar ou psicólogo infantil. Um plano de convivência bem estruturado, que respeite o tempo da criança, é o maior ato de amor e responsabilidade que pais separados podem oferecer, garantindo que as bases para uma vida emocionalmente segura sejam solidamente construídas.