Guarda Compartilhada de Animais de Estimação: O que a Justiça Brasileira tem Decidido?

Para um número crescente de lares brasileiros, a família não está completa sem um membro de quatro patas. Cães e gatos deixaram de ser meros animais de quintal para se tornarem “filhos de estimação”, com direito a plano de saúde, alimentação especial e um lugar cativo no coração e no sofá da família. Mas quando essa família humana se rompe, uma das questões mais angustiantes e emocionalmente carregadas do divórcio surge: com quem o pet vai ficar? A dor de se separar do animal pode ser tão intensa quanto a de se afastar de um parente querido. Diante dessa nova realidade social, como o Judiciário brasileiro, tradicionalmente formal, tem lidado com a disputa pela “guarda” de um pet? A resposta revela uma fascinante evolução do Direito.
Se olharmos para a letra fria da lei, a visão é decepcionante. O Código Civil brasileiro ainda classifica os animais como “bens móveis semoventes”, ou seja, coisas que se movem por força própria, passíveis de propriedade. Sob uma ótica estritamente legalista e ultrapassada, a disputa por um animal de estimação seria resolvida como a disputa por um carro ou um sofá: ele pertenceria a quem o comprou ou o ganhou de presente, sendo simplesmente um item na partilha de bens. Felizmente, essa visão não reflete mais o pensamento dos nossos tribunais. A Justiça tem entendido que aplicar as regras de propriedade a seres sencientes, capazes de criar laços profundos de afeto, é ignorar a própria realidade da vida moderna.
A grande revolução está acontecendo na prática forense, onde os juízes, cada vez mais, deixam de lado o Direito das Coisas para aplicar, por analogia, as regras e os princípios do Direito de Família, especialmente aqueles relativos à guarda e à convivência com os filhos. Esse movimento se baseia no reconhecimento do conceito de “família multiespécie”, uma estrutura familiar onde os animais de estimação são considerados membros plenos do núcleo afetivo. Os tribunais estão reconhecendo que a separação abrupta e definitiva de um animal de seu tutor causa sofrimento a ambos, e que a manutenção desse vínculo é benéfica para o bem-estar de todos os envolvidos.
Na prática, as decisões judiciais têm sido criativas e centradas no afeto. Os juízes têm fixado arranjos muito similares aos da guarda de crianças, como a guarda unilateral com um amplo regime de convivência para o outro tutor (com direito a passar fins de semana, feriados e férias com o animal) e até mesmo a guarda compartilhada, na qual as responsabilidades e o tempo de convivência são divididos. Além disso, uma consequência lógica dessa abordagem familiar é a fixação de uma “pensão” ou um rateio das despesas com o animal, obrigando ambos os ex-cônjuges a contribuírem para os custos com ração, veterinário, vacinas e outros cuidados necessários, independentemente de com quem o pet resida.
Para tomar a decisão, o juiz não se pergunta “quem é o dono?”, mas sim “o que é melhor para o animal?”. O critério central que tem guiado as sentenças é o do bem-estar do pet, analisando qual dos tutores possui as melhores condições para oferecer os cuidados necessários. Fatores como quem já era o principal responsável pela rotina do animal (quem o alimentava, passeava, levava ao veterinário), qual residência oferece o melhor espaço e adaptação para ele, e o vínculo do pet com outros membros da casa, como as crianças, são cuidadosamente avaliados. Embora ainda não tenhamos uma lei federal específica, a Justiça mostra que o Direito é vivo e capaz de se adaptar para proteger todas as formas de amor e de família, inclusive aquelas que latem e miam.