Família Eudemonista: A Busca pela Felicidade como Novo Princípio do Direito de Família

Qual é a finalidade de uma família no século XXI? Se no passado a resposta girava em torno de patrimônio, procriação e da manutenção de uma estrutura social rígida, hoje o Direito brasileiro oferece uma resposta muito mais humana e libertadora. Inspirado na filosofia grega, surge o conceito de “Família Eudemonista”, um modelo no qual o objetivo primordial da união não é mais a instituição em si, mas a promoção da felicidade, da realização pessoal e do florescimento individual de cada um de seus membros. Embora não esteja escrito na Constituição, o princípio da felicidade (ou eudemonismo) é hoje reconhecido pelos tribunais como um princípio implícito, uma consequência direta do macroprincípio da dignidade da pessoa humana, e tem sido a força motriz por trás das decisões mais transformadoras da área.
O que é uma “Família Eudemonista”? Da Grécia Antiga aos Tribunais
O termo “eudemonia” vem do grego e significa, em uma tradução livre, “felicidade” ou “florescimento humano”. Para filósofos como Aristóteles, era o bem maior a ser buscado na vida. Juristas de vanguarda, como Paulo Lôbo, importaram esse conceito para o Direito, argumentando que a família contemporânea só se justifica se servir como um espaço para essa busca. A família eudemonista é, portanto, aquela cujo principal vínculo é o afeto, e cujo objetivo é proporcionar a cada integrante um ambiente de acolhimento, desenvolvimento e busca pela sua própria felicidade. Essa visão rompe com a antiga lógica do sacrifício individual em prol da manutenção de uma instituição falida. Se a família se torna uma fonte de angústia e opressão, ela perde sua função constitucional.
A Felicidade como um Direito: A Conexão com a Dignidade Humana
A busca pela felicidade não é um mero capricho ou um conceito poético. Ela está intrinsecamente ligada ao pilar de todo o nosso sistema jurídico: a dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, da Constituição). Viver uma vida digna pressupõe ter a liberdade de buscar a própria realização pessoal e de se afastar de situações que causem sofrimento e humilhação. É nesse sentido que a busca pela felicidade se torna um direito fundamental. Negar a uma pessoa o direito de se divorciar, de formar uma família com quem ama, ou de ser reconhecida em seus vínculos de afeto, seria condená-la a uma existência infeliz e, portanto, indigna. A felicidade, nesse contexto, é o termômetro da dignidade nas relações privadas.
Como a Busca pela Felicidade Justifica as Novas Formas de Família
O princípio eudemonista é o alicerce filosófico que sustenta grande parte das evoluções do Direito de Família. Foi com base nele que a Justiça passou a reconhecer e proteger arranjos familiares que antes eram marginalizados:
- Divórcio como um direito: A extinção da necessidade de provar a culpa para se divorciar é um exemplo claro. Se a felicidade não existe mais na relação, ninguém pode ser forçado a permanecer nela.
- Uniões Homoafetivas: O reconhecimento do casamento e da união estável entre pessoas do mesmo sexo é a consagração do direito de cada um buscar a felicidade e construir um projeto de vida com quem escolher amar.
- Filiação Socioafetiva: Ao valorizar o afeto acima da biologia, a Justiça reconhece que a felicidade e o bem-estar da criança estão no vínculo de cuidado real, e não apenas no laço genético.
- Multiparentalidade: Permitir que uma criança tenha múltiplos pais em seu registro é uma forma de proteger todas as suas fontes de afeto e, consequentemente, potencializar seu desenvolvimento feliz.
Impactos Práticos: Liberdade para Ser e Desfazer
Na prática, o princípio da felicidade empodera o indivíduo. Ele legitima a busca pelo divórcio quando o casamento se torna uma fonte de sofrimento. Ele fundamenta o direito de planejar ou não ter filhos, de acordo com o projeto de vida de cada um. Ele protege o direito de construir uma família fora dos moldes tradicionais. A família deixa de ser uma estrutura imutável e passa a ser vista como um processo dinâmico, um meio para a promoção da felicidade de seus membros. Se ela cumpre esse papel, deve ser protegida pelo Estado. Se ela falha nesse objetivo de forma irremediável, o Estado deve garantir as vias para sua dissolução ou reconfiguração da forma menos dolorosa possível. A mensagem final é que nenhuma instituição pode ser mais importante que a felicidade e a dignidade das pessoas que a compõem.