Execução de Acordo Extrajudicial de Alimentos: O Acordo “de Boca” ou no Papel de Pão Tem Validade?

No calor do término de um relacionamento, muitos casais buscam resolver a questão da pensão alimentícia de forma amigável e informal. Fazem um “acordo de boca”, combinam um valor por troca de mensagens ou, no máximo, redigem um documento simples, assinado em casa, sem o registro ou a validação de nenhuma autoridade. A intenção é boa: evitar o desgaste e os custos de um processo judicial. Mas o que acontece quando o devedor, depois de alguns meses, simplesmente para de cumprir o que foi combinado? Aquele acordo informal, feito no “papel de pão”, tem alguma validade? Ele pode ser executado na Justiça com a mesma força de uma decisão judicial, inclusive com risco de prisão? A resposta para essa questão é crucial e serve de alerta para a importância da formalidade.

O “Acordo de Boca”: Um Pacto de Risco e de Baixa Segurança Jurídica

Um acordo puramente verbal, o famoso “acordo de boca”, é a forma mais frágil e perigosa de se estabelecer uma pensão. Embora ele possa até funcionar enquanto houver boa-fé entre as partes, ele não possui segurança jurídica alguma. Se o devedor parar de pagar, o credor não poderá simplesmente iniciar um processo de execução, pois não existe um documento formal que comprove a existência e os termos da obrigação. Para poder cobrar a dívida, o credor precisará primeiro ingressar com uma Ação de Fixação de Alimentos, um processo mais longo onde terá que provar a necessidade da criança e a possibilidade do devedor, para só então, com uma sentença em mãos, poder executar a dívida. Todo o tempo em que confiou no acordo verbal foi, do ponto de vista processual, tempo perdido.

O Acordo Particular por Escrito: Um Passo à Frente, Mas Ainda Insuficiente

E se o acordo foi feito por escrito, em um documento particular assinado pelas partes e talvez por duas testemunhas, mas sem passar pelo crivo da Justiça? Este documento tem mais força que o acordo verbal, mas ainda não é o ideal. Um contrato particular de alimentos é considerado um “título executivo extrajudicial”. Isso significa que ele pode, sim, ser usado para iniciar um processo de execução, mas apenas pelo rito da penhora de bens. O credor não poderá usar este documento para pedir a prisão do devedor. A jurisprudência do STJ é consolidada no sentido de que a medida extrema da prisão civil só pode ser usada para cobrar dívidas que nasceram de um título executivo judicial (uma sentença ou um acordo homologado por um juiz).

A Solução Ideal: A Homologação Judicial ou a Escritura Pública

Para que um acordo de pensão tenha a máxima força legal e segurança para ambas as partes, ele precisa se tornar um título executivo judicial. Há duas formas principais de se fazer isso de maneira rápida e eficiente:

  1. Acordo com Homologação Judicial: As partes, com seus advogados ou com a Defensoria Pública, redigem um termo de acordo detalhado e o submetem ao juiz para homologação. O juiz chamará o Ministério Público para dar seu parecer (se houver filhos menores) e, estando tudo em ordem, proferirá uma sentença que simplesmente valida o acordo. A partir daí, ele tem a mesma força de uma decisão judicial.
  2. Escritura Pública (em Casos de Divórcio/Dissolução em Cartório): Se o casal não tiver filhos menores ou incapazes e estiver de acordo com todos os termos do divórcio ou da dissolução da união estável, eles podem fazer todo o procedimento diretamente no cartório, por meio de uma escritura pública. O acordo sobre a pensão (seja para o ex-cônjuge ou para filhos maiores) constará na escritura, que, por força de lei, também é um título executivo e pode ser executado em caso de inadimplência.

As Vantagens da Formalização: Segurança para Quem Recebe, Proteção para Quem Paga

A formalização do acordo não protege apenas o credor, mas também o devedor. Para o credor, a principal vantagem é poder usar o rito da prisão em caso de inadimplência, a ferramenta de cobrança mais eficaz. Para o devedor, o acordo formalizado estabelece claramente o valor, a data e a forma de pagamento, evitando cobranças abusivas ou discussões sobre valores pagos a mais ou a menos. Ele também poderá usar o valor pago para dedução em seu Imposto de Renda, o que não é possível com um acordo informal. A formalização, portanto, traz regras claras para o jogo e segurança jurídica para todos.

A intenção de resolver as coisas de forma amigável é sempre louvável, mas no Direito de Família, a informalidade pode custar caro. O “acordo de boca” ou o “contrato de gaveta” podem parecer soluções fáceis e rápidas, mas na primeira crise, revelam-se armadilhas frágeis. A segurança de um acordo homologado pelo juiz é a única garantia de que o direito da criança será respeitado e de que as regras combinadas poderão ser efetivamente cobradas com todas as ferramentas que a lei oferece. O pequeno investimento de tempo e recursos na formalização do acordo é a melhor apólice de seguro contra grandes dores de cabeça no futuro.

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