Pandemia, calamidades e emergências mudam o uso do orçamento — mas não eliminam os limites legais
Durante momentos de crise — como desastres naturais, pandemias, colapsos sanitários ou estados de calamidade pública — é comum que o Estado precise remanejar rapidamente recursos públicos para garantir a resposta emergencial. Nesse contexto, as emendas parlamentares também entram na equação, e surge a dúvida: é possível redirecionar emendas previamente aprovadas? Quais os limites jurídicos para isso?
Neste artigo, você entenderá o que a Constituição, a Lei Orçamentária e a jurisprudência autorizam em termos de remanejamento ou cancelamento de emendas parlamentares em contextos de crise pública, com base em regras claras e exemplos práticos.
O que diz a Constituição sobre emendas em situação de crise?
A Constituição Federal, no art. 166, §11, trata da execução obrigatória das emendas individuais, desde que observada a viabilidade técnica e os limites legais. No entanto, o mesmo dispositivo prevê que o Poder Executivo pode justificar impedimentos de ordem técnica ou legal para não executá-las — e nesse caso, o parlamentar pode remanejá-las.
Em situação de crise pública ou calamidade oficialmente reconhecida, os arts. 65 e 167, §3º, da Constituição autorizam:
-
A suspensão da execução de metas fiscais e do cronograma de desembolso;
-
O remanejamento emergencial de despesas, inclusive das emendas, por medida provisória, projeto de lei ou decreto legislativo.
O redirecionamento deve ser formal, motivado e transparente — não pode ser arbitrário nem servir a interesses pessoais.
O que dizem a LDO e a LOA sobre emendas em emergência?
A Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada anualmente, estabelece regras para o remanejamento e a execução das emendas, especialmente as impositivas. Em anos de crise, ela costuma conter dispositivos que:
-
Permitem reprogramar as emendas para ações de combate à calamidade;
-
Isentam o parlamentar de penalização por não execução da emenda se o impedimento for justificado por situação excepcional;
-
Autorizam o cancelamento ou substituição da emenda para outra finalidade urgente, desde que haja anuência do autor.
Durante a pandemia da COVID-19, por exemplo, a LDO 2020 e 2021 previram a possibilidade de transferir emendas para ações de saúde pública, com procedimentos simplificados.
A gestão orçamentária em tempos de crise precisa ser rápida, mas continua sujeita ao controle legal.
Quais são os limites legais para o redirecionamento?
Apesar da flexibilidade relativa em contextos emergenciais, o redirecionamento das emendas está condicionado a:
-
Reconhecimento oficial do estado de calamidade ou emergência (municipal, estadual ou nacional);
-
Anuência expressa do parlamentar autor da emenda, salvo se houver norma constitucional autorizando exceção;
-
Fundamentação técnica da necessidade de remanejamento;
-
Publicação do ato de cancelamento ou substituição da emenda no Portal da Transparência ou sistema equivalente;
-
Controle posterior por TCU, TCEs, CGU e Ministério Público.
A exceção constitucional não pode ser pretexto para abusos — toda exceção deve ser regulamentada e justificada.
Exemplo prático de redirecionamento autorizado
Em 2020, um senador destinou R$ 5 milhões em emendas individuais para infraestrutura urbana em municípios do Nordeste. Com a decretação do estado de calamidade pela União (Decreto Legislativo nº 6/2020), o parlamentar remanejou os recursos, com anuência do Ministério da Saúde, para aquisição de equipamentos hospitalares e insumos de UTI. O procedimento foi formalizado no SIOP (Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento) e publicado no Portal da Transparência.
O redirecionamento seguiu os princípios da legalidade, moralidade e eficiência — e atendeu ao interesse público de forma emergencial.
Conclusão: crise exige agilidade, mas também respeito à Constituição
Emendas parlamentares podem e devem ser redirecionadas em contextos de calamidade ou emergência pública, desde que isso ocorra dentro dos limites constitucionais, com transparência, motivação e controle. A crise não anula a Constituição — apenas permite exceções pontuais, quando bem justificadas.
Agir rápido é importante. Agir certo é essencial. O redirecionamento de emendas, quando legal, pode salvar vidas. Quando ilegal, pode destruir reputações.