A aplicação de verbas públicas deve servir ao coletivo — e não aos interesses individuais ou políticos
As emendas parlamentares são importantes instrumentos para descentralizar recursos federais, permitindo que parlamentares atendam às demandas das regiões que representam. Contudo, a destinação dessas verbas deve obedecer rigorosamente aos princípios constitucionais da Administração Pública, especialmente ao princípio da impessoalidade, previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Neste artigo, vamos explorar como o princípio da impessoalidade se aplica à alocação e execução de emendas parlamentares, as situações em que esse princípio é violado e o que diz a jurisprudência atual sobre a responsabilização de agentes públicos envolvidos.
O que é o princípio da impessoalidade?
O princípio da impessoalidade exige que a Administração Pública atue sem favorecimentos pessoais, familiares, partidários ou eleitorais. Significa dizer que os atos administrativos devem ser praticados em nome do interesse público — e não para promoção de quem os pratica.
No campo das emendas parlamentares, isso significa que o parlamentar:
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Não pode direcionar verbas com o objetivo de se autopromover;
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Não pode beneficiar diretamente aliados, apadrinhados ou parentes;
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Não pode condicionar a execução da emenda à obtenção de votos ou apoios políticos.
A impessoalidade garante que o dinheiro público sirva ao bem comum — e não à construção de capital político pessoal.
Quando há violação da impessoalidade nas emendas?
A violação ao princípio da impessoalidade ocorre quando:
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O parlamentar vincula o repasse da emenda a compromissos eleitorais;
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A verba é destinada a ONGs, entidades, empresas ou municípios gerenciados por pessoas próximas ao autor da emenda;
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O projeto é promovido com propaganda pessoal do parlamentar, com nomes, fotos e slogans em obras, placas e eventos financiados.
Em muitos casos, a impessoalidade é comprometida não pela ilegalidade formal da emenda, mas pelo uso político ou pessoal de sua execução.
Ainda que o recurso atenda uma demanda legítima, o uso da verba com finalidades personalistas contamina a legalidade do ato.
Jurisprudência relevante e penalidades
O STF, no julgamento da ADPF 854, reforçou que a ausência de transparência e a personalização na destinação de recursos via emendas de relator (RP9) violam diretamente a impessoalidade. Além disso, a Súmula Vinculante nº 13, que trata do nepotismo, tem sido aplicada por analogia para coibir favorecimentos indiretos em emendas.
O STJ, em diversas decisões, já reconheceu que o uso indevido de emendas parlamentares para promoção pessoal configura improbidade administrativa, especialmente nos termos do art. 11 da Lei nº 8.429/1992, quando há violação aos princípios da administração pública, mesmo sem comprovação de enriquecimento ilícito.
A impessoalidade não exige má-fé, mas sim o compromisso inegociável com o interesse público.
Exemplo prático de personalização indevida
Em um caso recente no interior de Minas Gerais, um deputado federal destinou emenda para reforma de um campo de futebol, cuja obra foi inaugurada com faixa estampando sua imagem, slogan de campanha e agradecimento nominal. A Controladoria-Geral da União considerou a conduta como violação à impessoalidade e à vedação de promoção pessoal com recursos públicos, recomendando a abertura de processo de responsabilização e devolução parcial dos recursos investidos.
Mesmo que a obra tenha sido executada, a utilização da verba para fins políticos pessoais compromete a integridade do ato administrativo.
Conclusão: a impessoalidade protege o bem comum
As emendas parlamentares devem servir à coletividade e jamais ao projeto pessoal de quem as propõe. O princípio da impessoalidade é o alicerce ético que garante que o orçamento público não seja convertido em moeda de troca política, palanque eleitoral ou instrumento de perpetuação no poder.
Quando o interesse público é deixado de lado, perde-se a essência da representação democrática. E a impessoalidade é o que impede que o Estado se torne refém de interesses privados.