A controvérsia sobre o “orçamento secreto” e os limites constitucionais do relator-geral do orçamento
Desde 2020, o debate sobre as emendas de relator (RP9) explodiu no noticiário político e jurídico brasileiro. Apontadas por críticos como instrumento de barganha política e ausência de transparência, essas emendas concentram bilhões do orçamento nas mãos de poucos parlamentares, sem critérios públicos definidos. A polêmica chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a suspensão parcial dessas emendas por violação a princípios constitucionais.
Neste artigo, vamos esclarecer o que são as RP9, por que elas geraram controvérsia, o que decidiu o STF e quais são os efeitos práticos para a alocação de recursos públicos.
O que são as Emendas de Relator (RP9)?
As chamadas RP9 são uma classificação contábil dentro do Orçamento Geral da União. Segundo a Portaria SOF nº 6/2020, RP9 identifica as emendas inseridas por iniciativa do relator-geral do orçamento — normalmente após negociações internas, sem identificação individual dos parlamentares beneficiados.
Diferentemente das emendas individuais (RP6) ou de bancada (RP7), que são nominais e têm regras constitucionais claras (como a execução obrigatória das individuais – art. 166, § 11 da CF), as RP9 não estavam inicialmente sujeitas à transparência, ao controle público ou à publicidade de autoria.
Em essência, a RP9 criou um sistema paralelo e opaco de distribuição de verbas públicas, conhecido como “orçamento secreto”.
O que decidiu o STF sobre as RP9?
Diante de reportagens e representações que apontavam falta de critérios objetivos, ausência de identificação dos beneficiários e uso político-eleitoral das RP9, partidos políticos e entidades civis acionaram o Supremo Tribunal Federal.
Na ADPF 850, o STF decidiu, por maioria, em dezembro de 2021:
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Suspender a execução das emendas RP9, por violarem os princípios constitucionais da publicidade, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 37 da CF);
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Determinar a adoção de critérios objetivos e transparentes para a distribuição de emendas;
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Exigir a ampla divulgação de quem indicou, quanto indicou e para onde foi cada emenda RP9;
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Reconhecer que o controle político e institucional do orçamento não pode ser concentrado em um único agente.
A decisão teve caráter vinculante e obrigou o Congresso a rever a metodologia de execução das RP9.
Por que as RP9 geram tanta polêmica?
As RP9 concentram três elementos que as tornam alvo de críticas:
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Falta de transparência: bilhões de reais eram distribuídos sem que se soubesse qual deputado ou senador solicitou o recurso;
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Desigualdade entre parlamentares: parlamentares aliados ao governo ou à cúpula do Congresso recebiam mais recursos, em detrimento da isonomia;
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Uso eleitoral: recursos eram direcionados a redutos eleitorais, muitas vezes no período pré-eleitoral, configurando possível abuso de poder.
Um exemplo emblemático foi revelado em 2021, quando um único deputado recebeu R$ 277 milhões em emendas via RP9 para destinar a prefeituras específicas, sem qualquer critério técnico ou regional.
O uso estratégico das RP9 minava o equilíbrio institucional e afetava a legitimidade do processo orçamentário.
O que mudou após a decisão do STF?
Após a decisão do Supremo, o Congresso Nacional teve que modificar o procedimento de indicação e execução das RP9:
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Foi criado um painel público com os dados das indicações (disponível no site do Congresso Nacional);
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As emendas passaram a ser redistribuídas entre as RP6 e RP7;
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Em 2023, as RP9 foram extintas na prática, embora haja receio de que continuem por “vias indiretas”, como acordos informais de relator.
Além disso, a decisão do STF serviu como marco para reafirmar a supremacia do controle constitucional sobre práticas políticas abusivas.
Conclusão: transparência como limite do poder orçamentário
As emendas parlamentares são instrumentos legítimos de descentralização de recursos e fortalecimento da representatividade. No entanto, quando utilizadas sem transparência, critérios ou isonomia, elas ferem os pilares da Constituição.
O julgamento das RP9 pelo STF foi um divisor de águas — e uma clara mensagem: o poder orçamentário não pode ser exercido nas sombras.