Educação Domiciliar (Homeschooling) no Brasil: É um Direito da Família?

A educação dos filhos é um dos pilares do poder familiar. Mas até onde vai a autonomia dos pais para definir o tipo de instrução que seus filhos receberão? Nos últimos anos, um debate acalorado tem ganhado força no Brasil: a educação domiciliar, ou homeschooling. Milhares de famílias, por razões pedagógicas, filosóficas ou religiosas, defendem o direito de educar seus filhos em casa, fora do sistema escolar tradicional. De outro lado, o Estado e especialistas em educação argumentam sobre a importância da escola para a socialização e o acesso a um conhecimento plural. A questão é tão complexa que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A decisão da Corte estabeleceu que o homeschooling não é proibido, mas também não é um direito absoluto da família, dependendo de uma lei específica para regulamentá-lo, criando um cenário de incerteza e intenso debate sobre os limites entre o poder familiar e o dever do Estado.

A Posição do Supremo Tribunal Federal sobre o Tema

Em 2018, no julgamento do Recurso Extraordinário 888.815 (Tema 822 de Repercussão Geral), o STF analisou o caso de uma família que buscava o direito de educar sua filha em casa. A decisão da Corte foi um meio-termo. O Supremo decidiu que não existe uma lei no Brasil que permita o homeschooling atualmente, portanto, os pais que o praticam podem, em tese, ser responsabilizados por abandono intelectual. Contudo, a Corte também afirmou que a prática não é incompatível com a Constituição, mas que, para ser implementada, ela precisa de uma lei específica, a ser criada pelo Congresso Nacional, que estabeleça as regras, as condições e os mecanismos de fiscalização pelo Estado. Em suma, o STF disse: “não pode agora, mas pode vir a poder no futuro, se houver uma lei”.

O Poder Familiar vs. o Dever do Estado na Educação

O cerne do conflito está na colisão de dois princípios constitucionais. De um lado, o artigo 205 da Constituição, que define a educação como um “dever do Estado e da família”, e o artigo 229, que dá aos pais o dever de “assistir, criar e educar os filhos”. Os defensores do homeschooling se apegam a esses artigos para afirmar que têm a primazia na escolha do modelo educacional. De outro lado, o artigo 208, que estabelece a “obrigatoriedade do ensino fundamental”, e a jurisprudência que entende que a escola tem um papel que transcende o ensino formal. Para o STF, a escola é também o espaço essencial para a socialização, para o aprendizado da convivência com as diferenças, para o desenvolvimento do pluralismo de ideias e para a identificação de eventuais violências ou abusos que ocorrem no ambiente doméstico, funções que o ensino domiciliar, em tese, não cumpriria.

Quais Seriam os Requisitos para um Homeschooling Válido?

A decisão do STF e os projetos de lei que tramitam no Congresso já apontam para quais seriam as condições mínimas para que uma futura lei de homeschooling fosse considerada válida. Não se trataria de uma liberdade irrestrita. A regulamentação provavelmente exigiria:

  • O cumprimento de um currículo pedagógico mínimo, alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
  • A realização de avaliações periódicas para aferir o aprendizado do aluno, aplicadas pelo poder público.
  • A criação de mecanismos para garantir a socialização e a convivência comunitária da criança.
  • Um cadastro das famílias praticantes e a fiscalização das condições do ensino por parte do Estado.

A ideia é que a educação domiciliar, se permitida, seja uma modalidade de ensino regulada, e não uma ausência de ensino.

Os Riscos e Benefícios sob a Ótica da Proteção da Criança

O debate é complexo porque ambos os lados apresentam argumentos relevantes sob a ótica do melhor interesse da criança. Os defensores do homeschooling argumentam que ele permite um ensino personalizado, protege a criança de bullying ou de ideologias com as quais os pais não concordam, e fortalece os laços familiares. Os críticos, por sua vez, alertam para os riscos do isolamento social, da falta de exposição à diversidade, do empobrecimento do debate de ideias e, em casos extremos, do uso do ensino domiciliar como uma “cortina de fumaça” para encobrir situações de abuso ou negligência, já que a escola é um dos principais canais de denúncia. O desafio para o legislador será criar uma lei que consiga equilibrar a liberdade dos pais com a necessidade de garantir a proteção integral e o desenvolvimento pleno da criança em todas as suas dimensões.

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