Doença Grave como Justificativa para o Não Pagamento da Pensão: Análise da Jurisprudência

Uma doença grave impõe uma batalha em múltiplas frentes: contra a dor, pela recuperação e, muitas vezes, contra as dificuldades financeiras decorrentes da incapacidade de trabalhar. Quando o paciente é também um devedor de alimentos, uma nova angústia se instala: a enfermidade será considerada pela Justiça uma justificativa válida para o não pagamento, ou a ameaça de prisão persistirá mesmo em meio ao sofrimento? A resposta é complexa. A Justiça brasileira é, sim, sensível a questões de saúde, mas analisa cada caso com critérios técnicos e rigorosos, pesando a condição do devedor contra as necessidades inadiáveis do alimentando. Este artigo analisa como a jurisprudência trata a doença grave e o que é necessário para que ela sirva como escudo contra uma ordem de prisão.

A Regra Geral: A Doença Precisa Ser Incapacitante para o Trabalho

O ponto de partida para a análise judicial não é a gravidade do diagnóstico em si, mas sim as suas consequências práticas na vida do devedor. Não basta apresentar um atestado de uma doença séria, como câncer, cardiopatia ou depressão profunda. A jurisprudência exige uma comprovação clara e inequívoca de que a condição de saúde impede, total e, ao menos temporariamente, o exercício de qualquer atividade laboral remunerada. Se a doença, apesar de grave, não impede o devedor de exercer sua profissão ou alguma outra atividade que lhe gere renda, ela não será aceita como justificativa para o inadimplemento total da pensão. O foco do juiz será sempre na relação de causa e efeito entre a patologia e a capacidade de gerar sustento.

A Prova Médica: O Laudo Detalhado é a Peça-Chave da Defesa

A qualidade da prova médica é o que determinará o sucesso ou o fracasso da justificativa. Um simples atestado ou uma receita não são suficientes. A defesa deve ser amparada por um dossiê médico robusto, cujo principal documento é o laudo. Um laudo médico eficaz deve ser completo, emitido por médico especialista, contendo o CID (Código Internacional de Doenças), a descrição detalhada da patologia, o tratamento prescrito (quimioterapia, cirurgias, etc.), e, o ponto mais crucial, uma conclusão expressa do profissional sobre a total incapacidade laboral do paciente e por qual período estimado. Laudos emitidos por serviços públicos de saúde (SUS) ou por peritos judiciais, quando há perícia no processo, tendem a ter um peso probatório ainda maior para o magistrado.

Decisões dos Tribunais: Ponderação e a Possibilidade da Prisão Domiciliar

Ao analisar os casos, os tribunais superiores (como o STJ) e os tribunais estaduais (TJs) sempre ponderam os dois lados da balança: o direito à saúde e à dignidade do devedor versus o direito à sobrevivência do credor. Uma análise da jurisprudência mostra que, mesmo com uma doença comprovadamente incapacitante, se o devedor possuir bens, investimentos ou outras fontes de patrimônio, o juiz pode entender que ele deveria ter usado esses recursos para pagar a pensão. Em outros casos, reconhecendo a gravidade da doença mas a necessidade da coerção, a Justiça tem optado por uma solução intermediária: substituir a ordem de prisão em regime fechado pela prisão domiciliar, para garantir que o devedor não tenha seu tratamento médico interrompido, mas ainda assim sofra uma restrição em sua liberdade como forma de pressão ao pagamento.

O Dever de Solidariedade Familiar e a Importância da Ação Revisional

A doença incapacitante do genitor não elimina as necessidades da criança. Nesse contexto, a Justiça pode buscar outras soluções dentro do princípio da solidariedade familiar. A mais importante para o devedor é a proatividade: assim que diagnosticado com uma doença incapacitante, ele deve imediatamente ingressar com uma Ação Revisional de Alimentos, pedindo a suspensão temporária (se a incapacidade for reversível) ou a redução drástica do valor. Em paralelo, essa situação pode abrir caminho para que o credor busque os chamados “alimentos avoengos”, ou seja, acione os avós da criança para que complementem ou supram a obrigação do genitor doente e incapacitado.

Em conclusão, uma doença grave é, sem dúvida, um dos argumentos mais fortes que um devedor pode apresentar. Contudo, ela precisa ser provada de forma técnica, detalhada e incontestável. A sensibilidade da Justiça à sua condição de saúde será diretamente proporcional à qualidade dos laudos que você apresentar. Não confie apenas na existência da doença; foque em provar como ela aniquila sua capacidade de trabalhar e gerar renda. E, como sempre, a ação proativa para rever o valor da pensão em um processo próprio demonstrará sua boa-fé e será sempre o caminho mais seguro para proteger tanto sua saúde quanto seus direitos.

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