Doença do Trabalho? A Batalha Crucial Para Provar (ou Negar) a Ligação Causal (Nexo) na Justiça

No complexo universo das disputas trabalhistas envolvendo saúde, um conceito reina soberano e define o destino de muitas ações: o nexo causal. Simplificando, trata-se da comprovação da ligação direta ou indireta entre a doença ou lesão que acomete o trabalhador e as atividades ou condições de trabalho às quais ele estava submetido. Estabelecer ou contestar esse elo é frequentemente o ponto mais árduo e técnico do processo, exigindo uma combinação de conhecimento médico e jurídico. Compreender o que é o nexo causal e como ele é abordado na prática jurídica é a chave mestra tanto para o trabalhador que busca seus direitos quanto para a empresa que se defende de uma acusação. Não dominar este conceito pode significar a perda de uma causa justa ou a condenação indevida.

O nexo causal não é um conceito único; ele se desdobra em diferentes tipos, cada um com suas nuances probatórias. O mais direto é o Nexo Causal Direto ou Técnico (Tipo I), onde o trabalho é a causa única e indiscutível da doença (pense na silicose desenvolvida por um minerador exposto à sílica sem proteção adequada). No entanto, muito mais comum e frequentemente objeto de grandes debates judiciais é o Nexo Concausal (Tipo II). Aqui, o trabalho não é a causa única, mas atua como um fator que contribui significativamente para o surgimento ou, mais frequentemente, para o agravamento de uma doença preexistente ou degenerativa. O Artigo 21, inciso I, da Lei nº 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social) é explícito ao equiparar ao acidente de trabalho a condição que, “embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação”. Um exemplo clássico é um trabalhador com uma hérnia de disco prévia (degenerativa) que se agrava severamente devido ao levantamento constante de peso no trabalho. Mesmo não sendo a causa original, o trabalho atuou como concausa. Além destes, temos o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP), estabelecido pelo INSS (regulado pelo Decreto nº 6.042/2007 e suas atualizações), que cria uma presunção estatística da relação entre certas doenças (listadas por CID) e determinadas atividades econômicas (CNAE). No NTEP, a presunção é relativa: o ônus de provar que a doença NÃO tem relação com o trabalho passa a ser da empresa.

Do ponto de vista do trabalhador que busca o reconhecimento da doença como ocupacional, a tarefa é reunir um conjunto robusto de provas. A documentação médica é a espinha dorsal: laudos de médicos assistentes detalhando o diagnóstico e, idealmente, apontando a relação com o trabalho, exames complementares, receitas, comprovantes de fisioterapia, e claro, os próprios ASOs (admissionais, periódicos, de retorno, demissional) emitidos pela empresa. A Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), se emitida, é um forte indício, mas sua ausência não impede o reconhecimento. Contudo, na esfera judicial, a prova rainha costuma ser o laudo pericial produzido por um médico de confiança do juiz. Este perito analisará toda a documentação, o histórico do trabalhador, poderá vistoriar o local de trabalho e emitirá um parecer técnico sobre a existência ou não do nexo. Além disso, testemunhas que possam descrever as condições de trabalho (esforço físico, repetitividade, exposição a agentes nocivos, pressão psicológica) são fundamentais. Documentos da própria empresa, como o PGR/PPRA/LTCAT, podem paradoxalmente ajudar o trabalhador se demonstrarem a existência do risco não controlado.

Para a empresa que busca contestar o nexo causal (ou a presunção do NTEP), a estratégia é demonstrar que a doença tem origem exclusivamente extralaboral ou que as condições de trabalho não foram suficientes para causá-la ou agravá-la. As armas da empresa incluem: um PCMSO e um PGR bem elaborados e efetivamente implementados, que demonstrem o monitoramento da saúde e o controle dos riscos; registros de fornecimento e treinamento de uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs); ASOs que indiquem a preexistência da doença em níveis não relacionados ao trabalho ou o surgimento de condições claramente não ocupacionais. A empresa tem o direito de indicar um Assistente Técnico Médico, um profissional de sua confiança que acompanhará a perícia judicial e poderá elaborar um parecer técnico divergente (crítica ao laudo pericial), fornecendo ao juiz uma segunda opinião qualificada. Demonstrar que o trabalhador possui outros fatores de risco não relacionados ao trabalho (tabagismo, obesidade, prática de esportes de impacto, outras atividades) também pode ser relevante, especialmente para afastar a concausa ou demonstrar que o trabalho teve participação mínima. A comprovação do cumprimento rigoroso das Normas Regulamentadoras aplicáveis é um pilar da defesa.

A complexidade técnica da discussão sobre nexo causal torna a perícia médica judicial um momento decisivo no processo. Embora o juiz não esteja estritamente vinculado ao laudo pericial (Artigo 479 do Código de Processo Civil), a vasta maioria das decisões se baseia fortemente na conclusão do perito, dada a natureza técnica da matéria. A jurisprudência (conjunto de decisões reiteradas dos tribunais) tem mostrado uma tendência crescente em reconhecer o nexo, principalmente o concausal, valorizando a proteção à saúde do trabalhador, mas sempre dependendo da qualidade das provas apresentadas por ambas as partes. A batalha pelo nexo causal é, em essência, uma batalha de evidências técnicas e documentais.

Seja você um trabalhador que adoeceu em função do trabalho ou uma empresa que está sendo acionada, fica claro que a questão do nexo causal é delicada e exige conhecimento especializado. Tentar navegar por essa complexidade sem o suporte adequado é arriscado. Para o trabalhador, pode significar a perda de direitos importantes (estabilidade, indenizações, benefícios previdenciários acidentários). Para a empresa, pode resultar em condenações financeiras pesadas e danos à reputação. Contar com uma assessoria jurídica experiente, que saiba como produzir e analisar as provas, e possivelmente com o apoio de um assistente técnico médico, é fundamental para construir uma argumentação sólida e aumentar significativamente as chances de um resultado justo. Não subestime o poder da prova técnica na definição do nexo causal.

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