Direitos Homoafetivos e o Princípio da Isonomia: Do Reconhecimento da União Estável ao Casamento

Durante décadas, casais formados por pessoas do mesmo sexo viveram em um limbo jurídico no Brasil. Amavam, construíam patrimônio, formavam laços, mas, para o Estado, eram pouco mais que estranhos. Em caso de doença ou morte, o companheiro sobrevivente era frequentemente preterido pela família de sangue, perdendo a casa e os bens construídos em conjunto. Essa longa história de invisibilidade e injustiça começou a ruir em 2011, graças a uma interpretação corajosa da Constituição pelo Supremo Tribunal Federal. O reconhecimento dos direitos homoafetivos não foi a criação de um privilégio, mas sim a aplicação de um dos princípios mais básicos de uma democracia: o princípio da isonomia, que determina que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, inclusive de orientação sexual.
A Batalha Histórica: Como o STF Garantiu a União Estável Homoafetiva
O ponto de virada foi o julgamento histórico da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, em maio de 2011. Diante da omissão do Congresso Nacional em legislar sobre o tema, o STF foi provocado a responder: a união entre duas pessoas do mesmo sexo pode ser considerada uma entidade familiar? A resposta foi um unânime “sim”. Os ministros entenderam que uma interpretação do artigo 1.723 do Código Civil, que define a união estável, que excluísse os casais homoafetivos seria uma violação direta aos princípios da dignidade humana, da liberdade e, principalmente, da igualdade. Ao dar uma “interpretação conforme a Constituição”, a Corte estendeu o regime da união estável aos casais homoafetivos, garantindo-lhes, de uma só vez, direitos como pensão, herança, partilha de bens e inclusão em planos de saúde.
Da União Estável ao Casamento: A Resolução do CNJ que Abriu as Portas dos Cartórios
O reconhecimento da união estável foi um passo gigantesco, mas ainda havia um degrau a ser escalado: o casamento civil. Se a união estável é legalmente reconhecida como a “antessala” do casamento para casais heterossexuais (podendo ser convertida em casamento), por que negar essa mesma possibilidade aos casais homoafetivos? Essa discriminação era insustentável. Diante da recusa de alguns cartórios em realizar a conversão, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2013, editou a Resolução nº 175. Essa resolução, de caráter administrativo e obrigatório para todos os cartórios do país, proibiu as autoridades competentes de se recusarem a celebrar o casamento civil ou a converter a união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo. Foi o golpe de misericórdia na discriminação institucional, abrindo definitivamente as portas para o casamento homoafetivo no Brasil.
O Princípio da Isonomia em Ação: Por que Negar o Casamento Era Inconstitucional?
A lógica jurídica por trás dessas decisões é poderosa e elegante. Ela se baseia no princípio da isonomia (igualdade). Se a Constituição proíbe qualquer tipo de discriminação baseada em sexo (e, por extensão, em orientação sexual), o Estado não pode oferecer um “cardápio” de direitos diferente para casais hétero e homoafetivos. Oferecer a união estável, mas negar o casamento, seria criar um “subdireito”, uma cidadania de segunda classe, o que é expressamente vedado pela Carta Magna. O casamento civil não é uma instituição religiosa, mas um contrato que confere um status de proteção jurídica máxima à família. Negar o acesso a esse contrato com base na orientação sexual dos nubentes é uma discriminação tão grave quanto negar com base na cor da pele ou na origem social.
Direitos Plenos: Adoção, Herança e Todos os Efeitos de uma Família
Com o reconhecimento pleno do casamento, as famílias homoafetivas passaram a ter acesso irrestrito a todos os direitos e deveres que emanam da entidade familiar. Isso inclui o direito de adotar filhos conjuntamente, sem qualquer restrição; plenos direitos sucessórios; benefícios previdenciários como pensão por morte; e o direito de usar o sobrenome do cônjuge. Mais do que isso, o reconhecimento conferiu a essas famílias a chancela do Estado, a segurança jurídica e a dignidade de serem vistas e tratadas como o que sempre foram: famílias. A conquista do casamento homoafetivo é um marco que demonstra a força de uma Constituição viva, capaz de evoluir e garantir que a promessa de igualdade seja uma realidade para todos.