Devedor de Alimentos no Exterior: É Possível Pedir a Prisão?

Em um mundo cada vez mais globalizado, a mudança de país se tornou uma realidade para muitos brasileiros. Infelizmente, para alguns devedores de alimentos, essa mudança é vista como uma estratégia de fuga, uma tentativa de usar as fronteiras geográficas como um escudo contra as obrigações familiares deixadas para trás. Mas será que a distância realmente impede a ação da Justiça brasileira? É possível cobrar a dívida, penhorar bens ou até mesmo pedir a prisão de quem reside no exterior? Graças a uma rede de tratados internacionais e a mecanismos de cooperação jurídica, a resposta é cada vez mais positiva. As fronteiras já não são um porto seguro para a inadimplência.
A Cooperação Jurídica Internacional: A Ponte entre os Países
A cobrança de uma dívida de pensão além das fronteiras é possível graças a um sistema de cooperação jurídica internacional. O principal instrumento que rege essa matéria e do qual o Brasil é signatário é a Convenção sobre a Prestação de Alimentos no Estrangeiro, celebrada em Nova Iorque em 1956. Além dela, acordos mais recentes, como a Convenção da Haia sobre a Cobrança Internacional de Alimentos para Crianças e Outros Membros da Família, de 2007, modernizaram e agilizaram essa cooperação. Esses tratados criam um canal de comunicação oficial entre os sistemas de justiça dos países participantes, permitindo que uma decisão judicial proferida no Brasil tenha validade e seja executada em outro país.
O Procedimento na Prática: O Papel da “Autoridade Central”
O credor que está no Brasil não precisa se aventurar em uma jornada solitária para contratar um advogado e entender as leis do país estrangeiro. O procedimento é centralizado e simplificado. O interessado, por meio de seu advogado, deve reunir a documentação necessária (como a cópia da sentença que fixou os alimentos e a planilha atualizada da dívida) e encaminhá-la à Autoridade Central brasileira, que é o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça. A Autoridade Central tem o papel de analisar, traduzir (quando necessário) e enviar oficialmente o pedido à sua contraparte no país onde o devedor reside.
Homologação da Sentença e Execução Conforme a Lei Estrangeira
Ao receber o pedido da Autoridade Central brasileira, a Autoridade Central do país estrangeiro o encaminha à justiça local para que as providências sejam tomadas. O primeiro passo, geralmente, é um processo de reconhecimento da decisão brasileira, chamado de “homologação de sentença estrangeira” ou exequatur. Uma vez que a sentença brasileira é validada pela justiça local, ela passa a ter a mesma força e eficácia de uma decisão proferida naquele próprio país. A partir desse momento, a cobrança (execução) da dívida prosseguirá, mas seguirá as regras e os procedimentos previstos na legislação do país estrangeiro.
A Grande Questão: E a Prisão Civil do Devedor no Exterior?
Este é o ponto crucial e que gera mais dúvidas. A possibilidade de se decretar a prisão do devedor dependerá, integral e exclusivamente, da legislação do país onde ele se encontra. Se a lei local do país estrangeiro também prevê a prisão civil como uma medida para forçar o pagamento de dívidas alimentares, ela poderá ser decretada pela justiça de lá, com base na sentença brasileira homologada. Países com tradição jurídica romano-germânica, similar à nossa (como Portugal, por exemplo), costumam ter mecanismos parecidos. No entanto, em muitos outros países, especialmente aqueles de tradição common law (como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Austrália), a prisão civil por dívida é uma figura que não existe ou é extremamente rara. Nesses casos, a execução no exterior se concentrará em outras medidas coercitivas eficazes, como a penhora de salários, o bloqueio de contas bancárias, a penhora de bens e imóveis que o devedor possua naquele país, e a restrição de licenças profissionais.
Conclui-se, portanto, que a estratégia de fuga para o exterior está se tornando cada vez mais arriscada e ineficaz. A crescente rede de cooperação jurídica internacional criou mecanismos robustos para a cobrança de alimentos além-fronteiras. Embora a prisão civil dependa da sorte de o devedor estar em um país que adote essa medida, outras sanções patrimoniais igualmente efetivas podem ser aplicadas em quase qualquer lugar do mundo. A obrigação de sustentar um filho é um dever universal, e a Justiça, com a ajuda da diplomacia, está aprendendo a atravessar oceanos para garanti-lo.