Desvio de Finalidade em Emenda Parlamentar: Responsabilidade Civil e Penal do Parlamentar

Quando a emenda deixa de ser instrumento público e passa a ser ferramenta de benefício pessoal

As emendas parlamentares são um dos principais mecanismos de destinação de verbas públicas no Brasil. Contudo, quando desviadas de sua finalidade original, deixam de atender o interesse público para se tornarem instrumentos de favorecimento pessoal, político ou eleitoral. Nesses casos, surgem implicações jurídicas severas, que podem acarretar sanções civis, penais e administrativas para os parlamentares envolvidos.

Este artigo aprofunda o tema do desvio de finalidade nas emendas parlamentares, analisando suas consequências legais à luz da legislação brasileira, com base em casos reais e jurisprudência atualizada. Uma leitura indispensável para profissionais do Direito, gestores públicos e cidadãos atentos ao controle do dinheiro público.


O que é desvio de finalidade?

No Direito Administrativo, desvio de finalidade ocorre quando o agente público pratica um ato administrativo para fim diverso daquele previsto em lei ou exigido pelo interesse público. No contexto das emendas parlamentares, isso se dá quando:

  • A verba é direcionada a entidades de fachada ou controladas informalmente por aliados do parlamentar;

  • O objetivo declarado da emenda não corresponde à aplicação real dos recursos;

  • A destinação da verba tem viés eleitoral, pessoal ou econômico, e não técnico ou institucional.

O desvio de finalidade fere diretamente o princípio da moralidade (art. 37, caput, CF/88) e pode configurar ato de improbidade administrativa ou crime contra a administração pública.


Responsabilidade civil: dano ao erário e reparação obrigatória

Quando a aplicação irregular da emenda gera prejuízo aos cofres públicos, o parlamentar e os demais envolvidos podem ser responsabilizados civilmente, nos termos do art. 5º da Lei nº 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa), que prevê:

  • Ressarcimento integral do dano;

  • Perda da função pública;

  • Suspensão dos direitos políticos;

  • Pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público.

Um exemplo emblemático foi o caso do repasse de R$ 500 mil de uma emenda para uma ONG fictícia em Goiás, cujos dirigentes eram cabos eleitorais do parlamentar autor da emenda. O Ministério Público Federal ajuizou ação de improbidade, e o TCU determinou ressarcimento integral ao erário, com bloqueio de bens dos envolvidos.

A responsabilidade civil é objetiva para quem executa a verba e subjetiva (com base na culpa ou dolo) para quem articula ou facilita o desvio.


Responsabilidade penal: quando o ato se torna crime

Além das consequências civis, o desvio de finalidade pode configurar diversos crimes, como:

  • Peculato (art. 312, Código Penal): quando o recurso é apropriado ou desviado por quem tem posse legal;

  • Corrupção ativa ou passiva (arts. 317 e 333, CP): em casos de vantagens indevidas na execução da emenda;

  • Fraude em licitação (art. 96 da Lei nº 14.133/2021): quando há direcionamento ilícito de contrato vinculado à emenda;

  • Associação criminosa (art. 288, CP): se o ato envolver conluio entre vários agentes.

Parlamentares com foro privilegiado são processados no STF, mas os demais envolvidos podem ser julgados nas instâncias comuns, o que amplia o alcance da responsabilização penal.


Jurisprudência e casos práticos

Em 2021, o STJ confirmou a condenação de um ex-deputado federal por peculato, após ele destinar uma emenda de R$ 800 mil a uma entidade ligada a seu assessor de gabinete. A entidade recebeu os valores, mas não executou nenhum serviço. A Corte entendeu que houve desvio doloso de finalidade e apropriação indireta de verba pública.

Outros casos seguem tramitando no STF, como o chamado “Orçamento Secreto”, cuja análise revelou falta de critérios objetivos, uso político das verbas e ausência de transparência, abrindo caminho para ações de improbidade e investigações criminais.

Essas decisões reforçam que o parlamentar não está acima da lei e que a emenda deve sempre servir ao bem comum — nunca ao interesse próprio.


Conclusão: o uso correto da emenda começa pela legalidade

A função da emenda parlamentar é atender demandas da coletividade, com base na legalidade, moralidade e interesse público. Qualquer desvio desse propósito implica sérias consequências jurídicas. A responsabilização civil e penal é não apenas possível, mas necessária para proteger o erário, a democracia e a confiança do cidadão nas instituições.

Afinal, o dinheiro público tem dono: é o povo. E quando a emenda serve a outro fim que não ele, o sistema inteiro se corrompe.

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