Cuidados Paliativos: O Direito a Viver com Dignidade e Sem Dor Até o Fim

Falar sobre o fim da vida ainda é um tabu em nossa sociedade. No entanto, para pacientes idosos ou pessoas com doenças graves, progressivas e que ameaçam a continuidade da vida, abordar o tema dos cuidados paliativos é fundamental para garantir um processo de morrer mais humano, digno e livre de sofrimento desnecessário. Diferente do que muitos imaginam, cuidados paliativos não significam “desistir” do paciente ou acelerar a morte (eutanásia). Pelo contrário, trata-se de uma abordagem ativa e integral que visa promover a melhor qualidade de vida possível para pacientes e seus familiares diante de uma doença incurável, através da prevenção e alívio do sofrimento físico, psicossocial e espiritual. Viver com dignidade, autonomia e conforto, mesmo diante da finitude, é um direito que precisa ser conhecido e assegurado.
A base ética e legal dos cuidados paliativos no Brasil reside no princípio da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF/88) e no direito à integridade física e moral. Embora não haja uma lei específica que trate exclusivamente do tema, diversas normas o amparam. O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018), em seu artigo 41, veda ao médico “abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”, mas permite, no parágrafo único, nos casos de doença incurável e terminal, que o médico “ofereça todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas (distanásia)”, levando em consideração a vontade expressa do paciente ou de seu representante. A Resolução CFM nº 1.805/2006 já permitia ao médico limitar ou suspender procedimentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante, garantindo os cuidados necessários para aliviar os sintomas (ortotanásia). A legislação e a ética médica reconhecem, portanto, o direito do paciente de não ser submetido a tratamentos fúteis e de receber cuidados focados no conforto e bem-estar.
Os cuidados paliativos envolvem uma abordagem multidisciplinar, com médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas e assistentes espirituais trabalhando juntos para atender às diversas necessidades do paciente e de sua família. O foco principal é o controle eficaz da dor e de outros sintomas angustiantes, como falta de ar, náuseas, fadiga e ansiedade. Mas o cuidado vai além do físico, abrangendo também o apoio psicológico e emocional para lidar com o medo, a tristeza e as incertezas; o suporte social para resolver questões práticas e familiares; e o respeito às crenças e valores espirituais do paciente. Imagine o Sr. Carlos, 78 anos, com câncer avançado fora de possibilidades de cura. A equipe de cuidados paliativos não foca apenas em controlar sua dor com medicamentos, mas também oferece apoio psicológico para ele e sua esposa, ajuda com questões burocráticas e respeita seu desejo de receber visitas de seu líder religioso. É um cuidado que enxerga o paciente em sua totalidade, não apenas a doença.
Um aspecto crucial dos cuidados paliativos é a comunicação aberta e honesta entre a equipe de saúde, o paciente e a família. É fundamental que o paciente, enquanto capaz, participe ativamente das decisões sobre seu tratamento, expressando seus desejos, medos e prioridades. É aqui que as Diretivas Antecipadas de Vontade (Testamento Vital), discutidas no Artigo 4, se conectam diretamente com os cuidados paliativos, permitindo que o paciente registre previamente suas vontades sobre quais tratamentos aceita ou recusa em fim de vida, garantindo que sua autonomia seja respeitada mesmo que perca a capacidade de comunicação. O diálogo franco sobre prognóstico, opções de tratamento e objetivos de cuidado é essencial para alinhar as expectativas e construir um plano de cuidados que realmente faça sentido para o paciente.
O acesso aos cuidados paliativos no Brasil, infelizmente, ainda é desigual. Embora o SUS preveja a atenção integral (incluindo cuidados paliativos) e alguns hospitais e serviços ofereçam equipes especializadas, a disponibilidade ainda é limitada em muitas regiões, e a falta de informação por parte de profissionais e da população em geral contribui para que muitos pacientes não recebam esse tipo de cuidado. Nos planos de saúde, a cobertura pode variar, mas tratamentos para controle da dor e sintomas, bem como internação hospitalar ou domiciliar (home care) com finalidade paliativa, geralmente devem ser cobertos, conforme indicação médica. É importante conhecer seus direitos e buscar ativamente por serviços que ofereçam essa abordagem. A Lei Orgânica da Saúde e o Estatuto do Idoso, ao garantirem o cuidado integral, dão respaldo à exigência por cuidados paliativos quando indicados.
Os cuidados paliativos representam uma abordagem humanizada e essencial para garantir dignidade e qualidade de vida a pacientes que enfrentam doenças graves e incuráveis. Não se trata de desistir, mas de cuidar de forma diferente, focando no conforto, no alívio do sofrimento e no respeito à autonomia do paciente até o último momento. Conhecer o direito a esses cuidados é fundamental para pacientes idosos e seus familiares. Se você ou um ente querido está passando por uma situação de doença grave e progressiva, converse com a equipe médica sobre a possibilidade e a importância dos cuidados paliativos. Se encontrar dificuldades no acesso a esses serviços, seja no SUS ou no plano de saúde, ou se houver dúvidas sobre como garantir que as vontades do paciente sejam respeitadas (inclusive através de Diretivas Antecipadas), buscar orientação jurídica pode ser um passo importante. Um advogado pode auxiliar na compreensão dos seus direitos e nas medidas legais cabíveis para assegurar um fim de vida com dignidade, respeito e o mínimo de sofrimento possível. Lutar por cuidados paliativos é lutar pelo direito de viver bem, até o fim.