Criptomoedas e Divórcio: Como Declarar e Dividir Ativos Digitais na Partilha de Bens

Seu patrimônio já não se resume mais ao que está no banco, em imóveis ou na garagem. Ele pode estar flutuando na nuvem, em uma carteira digital, protegido por complexas chaves criptográficas. Bem-vindo à era das criptomoedas. Ativos como Bitcoin, Ethereum e tantos outros representam a nova fronteira do dinheiro e, consequentemente, a mais nova e complexa dor de cabeça nos processos de divórcio. A natureza descentralizada e o pseudonimato desses ativos digitais criam desafios inéditos para a partilha de bens, levantando uma questão crucial: como encontrar, avaliar e dividir esse tesouro digital de forma justa e legal? A resposta exige uma combinação de conhecimento jurídico, tecnologia e estratégia.

A primeira dúvida que surge é se criptomoedas são, de fato, consideradas “bens” partilháveis pela justiça. A resposta é um sonoro e definitivo sim. Embora intangíveis, para todos os efeitos legais, as criptomoedas são classificadas como bens móveis incorpóreos dotados de expressão econômica e, portanto, são absolutamente partilháveis no divórcio. A forma como serão divididas seguirá as regras do regime de bens adotado pelo casal. Na comunhão parcial, por exemplo, todas as criptomoedas adquiridas onerosamente durante o casamento, com recursos do trabalho de um ou de ambos, devem ser divididas em 50% para cada um, independentemente de quem as comprou ou em qual carteira digital (wallet) estão armazenadas.

O grande desafio, no entanto, não está na lei, mas na prova. Como comprovar a existência e a titularidade desses ativos? A chave está em rastrear o dinheiro. Advogados especializados utilizam várias frentes para descobrir esses bens: uma delas é a Instrução Normativa nº 1.888/2019 da Receita Federal, que tornou obrigatória a declaração de posse e transações com criptoativos, fornecendo uma pista oficial valiosa. Outra estratégia é solicitar judicialmente a quebra de sigilo junto às exchanges (corretoras de criptomoedas) nacionais, que são obrigadas a fornecer os dados de seus usuários. A análise minuciosa de extratos bancários também pode revelar grandes transferências de dinheiro para essas corretoras, indicando a compra dos ativos. A tecnologia que parece facilitar a ocultação é a mesma que, com a perícia correta, deixa rastros para sua descoberta.

Diante da dificuldade de rastreio, muitos cônjuges caem na tentação de ocultar seus criptoativos, acreditando na impunidade do mundo digital. Este é um erro estratégico com consequências devastadoras. A ocultação de patrimônio no processo de divórcio é considerada fraude à partilha e litigância de má-fé. Se o outro cônjuge conseguir provar, mesmo que anos após o divórcio, a existência daqueles ativos ocultados, a punição é severa. A jurisprudência tem entendido que a parte que tentou fraudar a partilha perde totalmente o direito sobre os criptoativos ocultados, que serão revertidos integralmente para o cônjuge lesado, além da possibilidade de condenação ao pagamento de multas e indenizações. A honestidade, portanto, não é apenas uma questão moral, mas a decisão mais inteligente.

Superado o desafio da prova, surge o da avaliação. Como precificar um ativo cuja cotação pode variar 20% em um único dia? Fixar um valor em Reais na data da separação pode ser injusto se, até a data da divisão efetiva, o ativo se valorizou exponencialmente. Para neutralizar essa volatilidade, a solução mais adotada pelos tribunais tem sido a partilha do próprio criptoativo, ou seja, dividir a quantidade de moedas, e não o seu valor em Reais. Se o casal possuía 1 Bitcoin, a sentença determinará que cada um receberá 0,5 Bitcoin. Assim, ambos os ex-cônjuges arcam juntos com o risco e o potencial de valorização do ativo. A partilha de criptoativos é um campo novo e altamente especializado, que exige uma assessoria jurídica que compreenda não apenas o Direito de Família, mas também a dinâmica da tecnologia blockchain para garantir que nenhum direito se perca no mundo digital.

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